Já aqui repetidas vezes invoquei a New
Yorker como a minha revista de eleição, de leitura temporariamente em versão
impressa (com chegada a casa sempre com algum atraso) enquanto que a recuperação
de poupanças não dá para um novo Ipad
que substitua o perdido/roubado. A leitura em Ipad é extremamente apelativa, pelo que o reencontro com aquele ícon
será também um reencontro com a leitura digital da revista, já que, sabe-se lá
porquê, a leitura no Portégé não dá o mesmo gozo.
O jornalismo de investigação da New
Yorker é sobretudo notável pelas coisas desconhecidas e inesperadas que nos
traz da sociedade americana, seja no plano militar e da defesa, seja no dos
costumes e sobretudo no estado da democracia americana. O número duplo de 12 e 19 de agosto traz numa coluna chamada Reporter at Large um artigo preocupante sobre o estado dos direitos cívicos nos EUA
intitulado “Taken” de autoria da
jornalista Sarah Stillman.
O tema em inglês chama-se “civil
forfeiture” e poderia ser traduzido muito livremente para português segundo
a expressão “confisco civil”. De que é que se trata?
Trata-se da possibilidade legal exercida por alguns Estados e cidades americanas
de confiscar bens móveis e imóveis de cidadãos com problemas potenciais com a
justiça americana, incluindo tráfico de droga, branqueamento de dinheiro,
desobediência civil continuada, roubo e outros delitos dessa natureza. O
esquema permite às polícias dos referidos estados submeter os potenciais
condenados à escolha de serem condenados ou de assinarem cedências de bens que
substituam essa condenação.
A peça de Sarah Stillman documenta que as receitas conseguidas pelos Estados
com este estratagema judiciário-policial é em alguns casos avultada e face às condições
de penúria orçamental de alguns desses Estados, muitos deles têm sido ferozes
adversários de medidas legislativas orientadas para uma defesa mais sólida dos
interesses dos cidadãos atingidos pelas malhas dessa estranha legislação.
Mas a força da peça jornalística de Stillman tem que ver sobretudo com histórias
de casos de cidadãos vulgares atingidos pela prepotência de algumas situações
policiais orientadas para a caça ao confisco em circunstâncias de muito duvidosa
proteção dos direitos de cidadãos. Hispano-latinos, população negra, idosos,
gente classificada como propensa a situações de criminalidade sem prova
demonstrada estão entre a gente concreta que passa pela reportagem e desfia as
suas desventuras por passar pelo Estado errado no momento errado. Uma imagem
algo aterradora da sociedade americana passa pela reportagem, embora o outro
lado, que bem conhecemos, com os defensores independentes de gente indefesa a
fazer o seu papel e a velar pelos seus interesses desprotegidos, também seja
uma marca a ter em conta.
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