quinta-feira, 29 de agosto de 2013

RIGIDEZ SALARIAL: SIM OU NÃO?



A trapalhada (mais uma) em que o governo se envolveu desta vez com a companhia da canga de subalternos do FMI (ver post de ontem) suscita sem o querer uma discussão que tem estado na ordem do dia nas economias sob ajustamento, seja sob a forma de resgate e respetivas condicionalidades (Irlanda, Grécia e Portugal), seja sob a forma de apoio, também com condicionalidades, à banca (Espanha). Pelo que se foi sabendo do trabalho de pesquisa do jornalista do Jornal de Negócios, Rui Peres Jorge, os dados da Segurança Social que circularam nos corredores da 7ª avaliação subavaliavam significativamente a descida observada nos salários nominais contratados no setor privado. Faziam-no trabalhando sob uma amostra que ocultaria a verdadeira dimensão da descida salarial já observada e daí ao embuste de utilização desses dados para justificar mais uma rodada de cortes é um pequeno passo. Já tínhamos percebido que o racional das políticas de austeridade estava ferido por atropelamento de evidências empíricas e erros crassos de modelização (caso dos multiplicadores reconhecido, pelos vistos só nas altas esferas, pelo FMI) e por viciada interpretação de que a austeridade poderia ser expansionista. Mas com esta utilização simplesmente desajeitada ou viciada de bases de dados percebe-se que vale tudo, menos tirar olhos, até ver.
O tema mais gerado da rigidez salarial aos processos de ajustamento à FMI tem sido debatido na blogosfera económica em torno do conceito de rigidez descendente dos salários nominais que vem desde Keynes. Os economistas Alan Taylor e Kevin O’Rourke dedicaram-lhe um interessante paper no prestigiado Journal of Economic Perspectives (Verão de 2013)de que o blogue de Krugman foi eco no dia 11 de agosto. Os dados trabalhados até 2012 apresentavam a Grécia como o único caso significativo de desvalorização nominal refletida na variação dos salários nominais, como pode depreender-se do gráfico que constitui a imagem deste post. Esta questão da medida da variação descendente dos salários nominais é complexa sobretudo porque a análise fica incompleta se for limitada a variações médias, sem ter em conta a estrutura salarial, o peso de cada grupo e a distinção entre salários públicos e privados. Não devemos ignorar que a segurança social capta apenas os funcionários públicos que mantêm contratos individuais de trabalho. Mais recentemente, a Direção-Geral da Administração e do Emprego Público constitui uma valiosa fonte de informação sobre evolução de salários na função pública, mas fá-lo apenas com base em salários médios, sendo necessário o acesso a microdados para compreender todo o processo.
Não me espantaria que a situação revelada pelos hoje tão discutidos dados da Segurança Social estivesse mais próxima da evolução grega do que da Irlanda ou Espanha. Em Portugal, em setores em que a contratação coletiva está pouco representada, existe a tradição de os trabalhadores preferirem a segurança do emprego ao salário, estando por isso disponíveis para aceitar voluntariamente descidas salariais. Essa tradição será tanto mais reforçada quanto mais as incertezas sobre o futuro do mercado de trabalho persistirem no horizonte próximo.
Mas o que me espanta é que FMI e pelos vistos Governo continuem a acreditar que a descida salarial é o caminho para a recuperação do emprego. Sabemos que não é sim, que a recuperação do emprego é sobretudo função da variável investimento e essa não é propriamente influenciada pela descida de salários. E, para além disso, essa posição continua a escamotear os efeitos dinâmicos perversos de uma descida salarial, desincentivando a inovação, tendendo por essa via a reduzir ainda mais a produtividade e a afastar Portugal dos ramos mais interessantes do ponto de vista da intensidade tecnológica e do conhecimento. Esta gente é tão amiga do mercado que não enjeita sobrepor-se à sua ação e à relação salarial no universo da empresa. Por isso, aceita a falta de rigor de trabalhar com bases salariais que ocultam o que se estará passar efetivamente nessa relação salarial. Não têm emenda e precisam de um combate frontal.

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