quinta-feira, 8 de agosto de 2013

EUFORIAS QUE A CRISE APAGOU

(Raquel Marín para o El País)


Quando reuni os primeiros elementos informativos sobre o trágico acidente ferroviário nos arredores de Santiago de Compostela, tive a intuição de que aquilo que ali se passara estaria para lá de um simples erro humano, erro que tendo existido é bem mais complexo do que parece porque há uma chamada telefónica uns segundos antes do comboio atingir a curva fatídica.
Hoje, na aqui repetidas vezes citada e valiosa “La Cuarta Página” do El País, Adolfo Barrio Mozo, vice-presidente da Associação Espanhola de Direito Ferroviário e ex-subdiretor geral do Ordenamento e Transporte Ferroviário e secretário geral de Vias Férreas de Via Estreita, assina um artigo importantíssimo sobre esta questão. O argumento de Barrio é muito claro, identificando claramente que, no troço final da ligação Ourense-Santiago, não existia nenhum sistema de controlo de velocidade e que na restante parte dessa ligação existe um sistema de controlo que não funciona para os comboios ALVIA (o do acidente). E diz mais afirmando que nos 3.100 quilómetros de alta velocidade apenas 1.800 estão cobertos pelo sistema ERTMS.
Estas evidências, preocupantes para qualquer viajante acidental de ligações por via férrea em Espanha, são inseridas e explicadas por Barrio no quadro da euforia descontrolada que o transporte de alta velocidade teve em Espanha, estimada em 50.000 milhões de euros, com a característica de cada nova ligação acrescentar custos em progressão geométrica às anteriores (o Madrid-Barcelona custou mais do que o dobro do Madrid-Sevilha e o Madrid-Galiza quatro vezes mais), sem que a quota de mercado atingida (6% de passageiros e 3% de mercadorias) justifique tais valores. Mas mais do que isso, Barrio coloca o dedo na ferida ao apontar uma razão para o descontrolo de custos e dessa euforia: a separação entre a gestão da infraestrutura (ADIF) e da rede comercial (RENFE) e os custos descontrolados de coordenação a ela associados. Nos últimos dias, as trocas de acusações entre as duas entidades quanto às razões da não atempada entrada em funcionamento dos sistemas de segurança são vergonhosas.
Esta crónica anunciada vinda da experiência com outras separações de modelos de gestão (a do Reino Unido é bem ilustrativa da perda de qualidade que sobreveio para o transporte ferroviário) deveria merecer-nos reflexão profunda e ponderada. Barrio é taxativo: “Todos os que trabalhámos em empresas ferroviárias sabemos que o principal problema dos seus principais dirigentes é coordenar os diferentes interesses e pontos de vista que, inevitavelmente, os departamentos de infraestruturas e de exploração apresentam, pelo que, como seria previsível, os resultados da separação estão a ser desastrosos, quer numa perspetiva económica, quer na de eficiência e captação de tráfego”.
A crise das contas públicas terá matado a euforia que emergia do lado de cá em matéria de alta velocidade. A tal euforia seremos poupados por alguns anos. Mas, com a separação registada entre a REFER e a CP, dos problemas de descoordenação e de descontrolo de custos não estaremos seguramente a salvo. E a linha do Norte em que circula o Alfa Pendular estará provavelmente em alguns troços a atingir limiares de segurança com que o viajante regular e não acidental se deve civicamente preocupar. Não será tanto o sistema de controlo de velocidade, mas sobretudo a coexistência de várias modalidades de transporte ferroviário que estará a pesar na balança. Se a euforia foi controlada esperemos que a segurança também o seja.

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