(Raquel Marín para o El País)
Quando reuni os primeiros elementos informativos sobre o trágico acidente
ferroviário nos arredores de Santiago de Compostela, tive a intuição de que
aquilo que ali se passara estaria para lá de um simples erro humano, erro que
tendo existido é bem mais complexo do que parece porque há uma chamada telefónica
uns segundos antes do comboio atingir a curva fatídica.
Hoje, na aqui repetidas vezes citada e valiosa “La Cuarta Página” do El País, Adolfo Barrio Mozo, vice-presidente
da Associação Espanhola de Direito Ferroviário e ex-subdiretor geral do
Ordenamento e Transporte Ferroviário e secretário geral de Vias Férreas de Via
Estreita, assina um artigo importantíssimo sobre esta questão. O argumento de
Barrio é muito claro, identificando claramente que, no troço final da ligação
Ourense-Santiago, não existia nenhum sistema de controlo de velocidade e que na
restante parte dessa ligação existe um sistema de controlo que não funciona
para os comboios ALVIA (o do acidente). E diz mais afirmando que nos 3.100 quilómetros
de alta velocidade apenas 1.800 estão cobertos pelo sistema ERTMS.
Estas evidências, preocupantes para qualquer viajante acidental de ligações
por via férrea em Espanha, são inseridas e explicadas por Barrio no quadro da
euforia descontrolada que o transporte de alta velocidade teve em Espanha, estimada
em 50.000 milhões de euros, com a característica de cada nova ligação
acrescentar custos em progressão geométrica às anteriores (o Madrid-Barcelona
custou mais do que o dobro do Madrid-Sevilha e o Madrid-Galiza quatro vezes
mais), sem que a quota de mercado atingida (6% de passageiros e 3% de
mercadorias) justifique tais valores. Mas mais do que isso, Barrio coloca o dedo
na ferida ao apontar uma razão para o descontrolo de custos e dessa euforia: a
separação entre a gestão da infraestrutura (ADIF) e da rede comercial (RENFE) e
os custos descontrolados de coordenação a ela associados. Nos últimos dias, as
trocas de acusações entre as duas entidades quanto às razões da não atempada entrada
em funcionamento dos sistemas de segurança são vergonhosas.
Esta crónica anunciada vinda da experiência com outras separações de
modelos de gestão (a do Reino Unido é bem ilustrativa da perda de qualidade que
sobreveio para o transporte ferroviário) deveria merecer-nos reflexão profunda
e ponderada. Barrio é taxativo: “Todos os que trabalhámos em empresas ferroviárias sabemos
que o principal problema dos seus principais dirigentes é coordenar os
diferentes interesses e pontos de vista que, inevitavelmente, os departamentos
de infraestruturas e de exploração apresentam, pelo que, como seria previsível,
os resultados da separação estão a ser desastrosos, quer numa perspetiva económica,
quer na de eficiência e captação de tráfego”.
A crise das contas públicas terá matado a euforia que emergia do lado de cá
em matéria de alta velocidade. A tal euforia seremos poupados por alguns anos.
Mas, com a separação registada entre a REFER e a CP, dos problemas de descoordenação
e de descontrolo de custos não estaremos seguramente a salvo. E a linha do Norte
em que circula o Alfa Pendular estará provavelmente em alguns troços a atingir
limiares de segurança com que o viajante regular e não acidental se deve
civicamente preocupar. Não será tanto o sistema de controlo de velocidade, mas
sobretudo a coexistência de várias modalidades de transporte ferroviário que
estará a pesar na balança. Se a euforia foi controlada esperemos que a
segurança também o seja.
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