quinta-feira, 1 de agosto de 2013

UMA CRÍTICA INTELIGENTE DA AÇÃO DE GASPAR



Miguel Cadilhe assina hoje no Público um artigo inserido numa série de testemunhos que o jornal está a solicitar para apreciação da ação governativa de Vítor Gaspar até à sua recente demissão.
As críticas inteligentes aos dois anos de Gaspar não têm abundado, independentemente do quadrante político de que partem. Não tenho dúvidas em afirmar que a apreciação de Miguel Cadilhe é muito inteligente, sobretudo porque é realizada no quadro de uma pelo menos discutível valorização da prática governativa liderada por Gaspar.
Cadilhe coloca-se numa perspetiva sugestiva que é a de partir da carta de demissão de Gaspar, na qual vê sinais de uma autoavaliação excessivamente rigorosa da sua atuação. O argumento de Cadilhe é a de que o ajustamento e a Troika eram inevitáveis face à vulnerabilidade com que o governo de Sócrates se autoinfligiu, sobretudo no que respeita ao último período de governação. Mas, de forma subtil, coloca questões relevantes como a da dimensão dos estragos, materializada no chamado doseamento das medidas e na própria graduação do tempo em que são aplicadas. Cadilhe tem razão em desvalorizar a questão das previsões. São ridículas, por exemplo, as análises que se têm realizado nos EUA sobre as capacidades de previsão que Janet Yellen e Lawrence Summers têm revelado das incidências do ciclo económico para aferir da sua competência para presidir ao FED. E não é por aí que a ação governativa de Gaspar deve ser criticada. Os erros de previsão de Gaspar não resultam da incapacidade de dominar a turbulência. Resultam, isso sim, da incapacidade de perceber que a estratégia de austeridade delineada subavaliava claramente os efeitos recessivos diretos e colaterais. O que não é o mesmo.
Cadilhe tem entretanto razão em focar a sua atenção no comportamento do défice primário estrutural, que deveria ser o grande fator de negociação internacional, alerta para a não melhoria estrutural do défice externo largamente alimentada pela recessão (mesmo que ponderando a resiliência exportadora) e chama a atenção para a influência da recessão no aumento do peso da dívida no PIB nominal.
Mas mais interessante é a última parte do artigo onde Cadilhe fala de correspondência recente trocada com Gaspar e da revelação deste estar a ler nos últimos dias o “Theory of Moral Sentiments” de Adam Smith. É a parte mais intrigante, pois a passagem recomendada por Gaspar a Cadilhe versa sobre líderes e reformadores e pode suscitar interpretações variadas sobre o que significa a carta de demissão do ponto de vista do seu relacionamento com Passos Coelho. Fico com a impressão que Cadilhe tem a sua própria interpretação sobre o que significa a demissão de Gaspar e a invocação simultânea do outro Adam Smith. Não a divulgou, ou simplesmente a deixou entre linhas para bom entendedor.

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