Num fim de semana de modorra estival, trabalho fora de horas que baste e
uma estranha falta de motivação para o blogue, esta última foi salva pelo
gongue da entrevista de Siza Vieira ao 2 do Público de hoje. Tenho um fascínio
estranho pelas entranhas e insondáveis questões do tempo, não só na economia,
mas em todas as ciências sociais. Quando saboreava o pequeno almoço na frescura
e silêncio de uma manhã de cidade em tempo de férias, o título da capa “O tempo
é um grande arquitecto” reacendeu esse fascínio e a entrevista foi lida de um
trago.
Foi necessário o 25º aniversário do incêndio do Chiado, o país adora efemérides,
para a serena perspetiva das coisas do Arquiteto regressar ao centro das coisas
e mostrar que um país que tem gente desta tenderá a sobreviver mesmo nos tempos
mais difíceis. A entrevista é, além do mais, muito bonita, com esquissos
inconfundíveis e alguns pormenores de fotografia que fala uma longa olhada. Destaco
a que compara as ferragens anteriores ao incêndio com as que foram desenhadas
por Siza Vieira e a minha interpretação de como o passado pode ser reinventado
rende-se aquele ícone das preocupações mais securitárias.
Mas a entrevista é um prodígio de elementos de reflexão para os paradigmas
da renovação urbana, não esquecendo que, como o próprio Siza o anota e bem, uma
coisa é renovar e reinventar a partir de um incidente trágico como o do Chiado,
outra coisa é fazê-lo por exemplo na Baixa lisboeta. Não terá sido por acaso
que Siza recusou o convite de Jorge Sampaio para alargar a intervenção à Baixa
lisboeta e Siza explica-o bem: questões de ritmo, de propriedade e de problemas
sociais.
Um aspeto muito relevante da entrevista é a reabilitação que Siza faz da
personalidade de Krus Abecassis, antigo presidente da Câmara de Lisboa sobre o
qual recaiu centralizadamente o apoio permanente e muito próximo do projeto,
com responsabilidade pela criação do Gabinete de Recuperação do Chiado. Mas há
outros aspetos decisivos da recuperação que vale a pena incorporar: optar por
negociar e não expropriar; construir uma passerelle elevada que permitiu
continuar os trabalhos sem penalizar decisivamente o fluxo de população que
demandava o Chiado regularmente, impedindo a morte do local e mantendo em
permanências as expectativas da população sobre o que se passava ali; importância
das âncoras “paragem de metro Baixa-Chiado” (“uma sorte, uma grande sorte”) e “centro
comercial – FNAC” para com o tempo assegurar novas dinâmicas de fluxo de
população, contrariando a anterior visão do Chiado morto depois das 19 horas.
E numa leitura incontornável, encontrei uma das melhores definições do que é
um pastiche: “Pastiche
é uma cópia fruste de uma coisa passada. Fruste em dois aspetos. Primeiro,
porque não atinge a mesma qualidade. É preciso ver que as cabeças que pensam o
que é novo não são exatamente iguais, aconteceu muita coisa no mundo. Mas também
as mãos que executam e as respetivas cabeças são outras”. Uma ideia
de grande alcance para a recuperação do património.
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