terça-feira, 27 de agosto de 2013

TECNOLOGIA E CLASSE MÉDIA



Já aqui repetidas vezes chamei a atenção para a centralidade que o tema da polarização do emprego ou dos empregos tem vindo a assumir na blogosfera económica mais recente. As economias americana e britânica são uma espécie de farol para o tema e, à medida que se vão conhecendo dados cada vez mais recentes sobre a evolução da estrutura de ocupações da mão de obra, mais o tema domina o debate.
A transversalidade das questões em análise é manifesta pois envolve globalização, progresso tecnológico, mercado de trabalho, desigualdade e classe média, compreendendo-se a visibilidade que assumiu designadamente na blogosfera e na divulgação económica.
Mas é na sociedade americana que a polarização dos empregos tem gerado um mais amplo debate. A opinião pública é muito sensível à destruição de emprego, tanto mais que a dinâmica do mercado de trabalho americano teima em contradizer o otimismo que regra geral emergia sobre as suas virtualidades recuperadoras, sobretudo quando comparado com o europeu. De facto, a recuperação do emprego e da taxa de emprego têm-se mostrado bastante anémicos.
David Autor (MIT) é um dos economistas mais representativos da polarização dos empregos. Na ótica de divulgação e de debate que atrás referi, Autor assina com David Dorn um artigo no New York Times (How Technology Wrecks the Middle Class, 24 de agosto de 2013) que se ajusta como uma luva ao que temos vindo a dizer, inserido num amplo debate coordenado por Stiglitz sobre as razões da desigualdade americana. O argumento é afinal um dos argumentos centrais da teoria da polarização. A destruição de empregos é um problema estrutural associado aos aumentos de produtividade do fator trabalho, mas o capitalismo tem induzido por via da inovação e emergência de novas atividades motoras que compensam a referida destruição. Daí que os economistas da inovação e do longo prazo tendam a não alinhar com a rejeição do progresso tecnológico como eventual fonte do mal dos problemas do emprego. Mas o progresso tecnológico nesse processo global de compensação da destruição de emprego tende a alterar a estrutura de ocupações favorecendo umas e penalizando outras.
A novidade é que esta última variação organiza-se com base numa polarização: no topo, as atividades intensivas em resolução de problemas, intuição, persuasão e criatividade, normalmente associadas a empregos muito qualificados, têm vindo a apresentar ritmos de crescimento positivos. Na base, as tarefas manuais que implicam adaptação a situações, reconhecimento de linguagem e interação pessoal revelam uma grande resistência à mecanização e por isso revelam também procura adicional mas com salários muito baixos, já que não correspondem a recursos escassos.
O vazio e as perdas de emprego situam-se na faixa intermédia entre os dois polos (desiguais) de crescimento e atinge sobretudo as ocupações em que a informatização /computorização pode substituir com maior facilidade as tarefas rotino-intensivas, desempenhadas por pessoas mais qualificadas mas substituíveis. Até aqui, esta aparente inevitabilidade foi entendida como algo de incontornável. Mas o que o artigo de Autor e Dorn vem trazer de novo é a possibilidade de tais ocupações resistirem, criando intercomplementaridades entre a tecnologia e competências interpessoais. Os autores dão alguns exemplos como por exemplo a de um serviço de assistência técnica de software que tanto pode ser desenvolvido a partir de uma rígida aplicação de manual ou de métodos que possam envolver alguma interpessoalidade, resolução de problemas e flexibilidade de soluções. Afinal, a substituição plena de certas ocupações pela mecanização redundaria numa significativa perda de qualidade que o consumidor pode rejeitar e assim contrariar o seu desaparecimento.
O que Autor e Dorn vêm chamar a atenção é para o não determinismo da polarização e isso são boas notícias.
É difícil refletir sobre este tema aplicado ao caso português. A investigação empírica não abunda e o caráter tardio do desenvolvimento tecnológico em Portugal pode perturbar essa transposição. Mas é uma boa notícia para uma certa camada de portugueses de qualificações intermédias que nunca perdeu as competências interpessoais, que podem perfeitamente interagir com a revolução tecnológica. E, mais do que isso, trata-se de uma importante implicação para os processos de formação profissional e vocacional. Não é de facto por dominar um manual de especificações que um “grunho” nas relações interpessoais será um bom profissional. A formação em contexto de simulação profissional é cada vez mais decisiva.

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