Empurrado pela imaginativa iniciativa “Eça Agora” do “Expresso”, no âmbito da comemoração do seu quadragésimo aniversário, durante estas férias reli uma vez mais “Os Maias” e ao romance publicado há 125 anos adicionei naturalmente a leitura de “Os Novos Maias” (gostei da generalidade dos exercícios ditos de continuidade que foram realizados por seis escritores convidados mas, mais especialmente, dos de José Luís Peixoto, José Rentes de Carvalho e Clara Ferreira Alves).
Confirmei o que já era por demais sabido: que “Os Maias” são, inequivocamente, uma das mais brilhantes obras literárias alguma vez escritas sobre Portugal e os portugueses. E, quando se dá o caso de podermos ganhar a distância que ver de fora permite, acontece ainda que as semelhanças queirosianas adquirem uma atualidade absolutamente impressionante!
Veja-se o exemplo de Vicente, o mestre d’obras, dizendo a Carlos da Maia: ”Sabe v. ex.a qual é o nosso mal? Não é má vontade d’essa gente; é muita somma de ignorancia. Não sabem. Não sabem nada. Elles não são maus, mas são umas cavalgaduras!” Ou o de João da Ega ao referir-se à nossa caraterística dominante: “Certamente muito d’esse silencio provinha do natural desejo que têm os que são mediocres de que não se alluda muito aos que são grandes. É a invejazinha reles e rastejante!”
Veja-se também a passagem seguinte: “Emfim, exclamou o Ega, se não aparecerem mulheres, importam-se, que é em Portugal para tudo o recurso natural. Aqui importa-se tudo. Leis, idéas, philosophias, theorias, assumptos, estheticas, sciencias, estylo, industrias, modas, maneiras, pilherias, tudo nos vem em caixotes pelo paquete. A civilisação custa-nos carissima com os direitos da alfandega: e é em segunda mão, não foi feita para nós, fica-nos curta nas mangas…”
Veja-se ainda aquela outra passagem em que intervém Gonçalo, um político de profissão igual a tantos que por aí hoje circulam profusamente:
“Esta politica, este S. Bento, esta eloquencia, estes bachareis matam-me. Querem dizer agora ahi que isto por fim não é peor que a Bulgaria. Historias! Nunca houve uma choldra assim no universo!”
- Choldra em que você chafurda! observou o Ega rindo.
O outro recuou com um grande gesto:
- Distingamos! Chafurdo por necessidade, como político: e tróço por gosto, como artista!”
O mesmo parlamentar que, logo adiante, acrescenta:
“- Meu caro, a política hoje é uma coisa muito differente! Nós fizemos como vocês os litteratos. Antigamente a litteratura era a imaginação, a phantasia, o ideal… Hoje é a realidade, a experiencia, o facto positivo, o documento. Pois cá a política em Portugal também se lançou na corrente realista. No tempo da Regeneração e dos Historicos, a política era o progresso, a viação, a liberdade, o palavrorio… Nós mudamos tudo isso. Hoje é o facto positivo, - o dinheiro, o dinheiro! o bago! a massa! A rica massinha da nossa alma, menino! O divino dinheiro!”
Vejam-se por fim, agora em termos dominantemente normativos, os conselhos do velho Affonso da Maia: “De resto o que teria a dizer ao seu paíz, como fructo da sua experiencia, reduzia-se pobremente a tres conselhos em tres phrases: aos políticos – ‘menos liberalismo e mais caracter’; aos homens de letras – ‘menos eloquencia e mais ideia’; aos cidadãos em geral – ‘menos progresso e mais moral.”
Ou, na mesma linha mas talvez ainda melhor ajustável aos tempos que correm, a irónica sugestão avançada por Ega: “E resulta portanto este facto supra-comico: um paíz governado com immenso talento, que é de todos na Europa, segundo o consenso unanime, o mais estupidamente governado! Eu proponho isto, a vêr: que como os talentos sempre falham, se experimentem uma vez os imbecis!”
Será mesmo demais afirmar-se que esta choldra é torpe?
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