(As expectativas
eram altas e o contexto macroglobal assim o determinava, mas, pelo menos pelos papers e intervenções
conhecidos e pelas réplicas do debate, os resultados causam algum desapontamento)
As minhas expectativas eram altas. Tudo se
conjugava para que o debate em torno da resiliência da política monetária em Jackson
Hole trouxesse sinais de que condutores da política monetária e decisores de política
económica discutissem a mudança de paradigma que os tempos exigem. Aliás um
membro do FED, com assento no FOMC, John Williams do Federal Reserve Bank de São
Francisco (aqui atempadamente analisado), precedeu o simpósio do Wyoming com um
artigo corajoso sobre os desafios à mudança que se colocam à política monetária.
Agora que estão disponíveis os principais contributos apresentados a debate e que
se conhecem na blogosfera económica as principais réplicas, alinho com o desapontamento
de Lawrence Summers (ver link aqui) acerca dos resultados obtidos. Diga-se de
passagem que, seguramente por minha desinformação acerca do “quem é quem de
relevante” nestes mundos da política monetária na academia, a lista de
contributos era para mim algo desconhecida. Se entre o rol de convidados estava
uma nata de contribuições possíveis, entre os apresentadores de artigos e
comunicações, o meu conhecimento restringia-se a Janet Yellen, presidente do
FED, o nosso Ricardo Reis agora na London School of Economics e o nobel de
Princeton Christopher Sims que haveria de apresentar as ideias talvez mais
ousadas de entre o que é conhecido. Do debate efetivo que terá havido nada se
sabe.
A intervenção inicial de Janet Yellen haveria
de marcar a natureza relativamente receosa do debate. Tenho neste blogue chamado
a atenção para o verdadeiro dilema em que o FED USA se encontra, a partir do
momento em que procurou guiar as expectativas nos mercados com o anúncio de que
as taxas de juro de referência seriam aumentadas logo que o comportamento da economia
americana o justificasse. Assim, apesar do crescimento económico que apesar de
moderado faz inveja a alguns países da União Europeia e de uma taxa de
desemprego que praticamente estabilizou em torno dos 5% (que alguns
classificariam de taxa natural de desemprego), o FED tem monitorizado à lupa o
comportamento da economia americana, hesitando sobre o momento de lançar uma
trajetória crescente para as taxas de juro de referência. Não só o produto continua
abaixo do produto potencial, como as evidências de que ainda existe uma larga
fração de força de trabalho não utilizada alertam a supervisão bancária para
que o estado da economia é mais complexo do que a simples relação entre
crescimento económico e taxa de desemprego. Diríamos em termos mais técnicos que
a lei de OKUN tem de ser hoje interpretada em termos mais amplos do que habitualmente.
Para além disso, o enquadramento internacional projeta-se negativamente sobre a
economia americana, aconselhando cautelas. Já não falo sobre as teses da
estagnação secular de Summers sobre as quais o FED nunca se referiu.
O FED enfrenta ainda a limitação da sua meta
de inflação continuar longe de ser atingida e a generalidade dos investidores
parece não corroborar os propósitos de forward
guidance expostos pelo banco, continuando com expectativas muito moderadas
de inflação a longo prazo. Os críticos mais acirrados da gestão de Yellen e seus
colegas apontam para os riscos de falta de credibilidade que começam a surgir,
a partir do momento em que a meta de inflação dos 2%, quer seja entendida como limite
máximo ou média, continua objetivamente aquém dos propósitos do regulador.
A intervenção inicial de Yellen (ver link aqui), não só reproduziu as cautelas sobre a interpretação do comportamento
recente da economia americana, como reafirmou a margem de manobra ainda existente
(assunto bem controverso) para o que tenho aqui chamado de piruetas da política
monetária. Yellen referiu de facto que as intervenções heterodoxas da política
monetária (quantitative easing nas
suas fórmulas mais diversas) poderiam ser acionadas acaso o comportamento da
economia o justificasse. Ora, se compararmos esta crença de Yellen na plasticidade
da política monetária com, por exemplo, a proposta de reflexão de John Williams,
conclui-se que a intervenção inicial da presidente do FED terá contribuído para
secar em parte o debate. Aliás, pelo que pude intuir das apresentações de dois
representantes do BCE, também por esse lado a abertura de pensamento de
Williams não terá encontrado entre osn condutores da política monetária muita
recetividade.
Só neste contexto compreendo que, entre as réplicas
do debate na blogosfera económica, tenha sido o contributo do Nobel Christopher
Sims de Princeton aquele que suscitou mais notoriedade. O modelo-teoria de
Christopher Sims, em regra designado por teoria fiscal do nível de preços, é
daqueles modelos matematicamente intragáveis para um cidadão medianamente
instruído em termos matemáticos e por isso a sua apresentação em Jackson Hole é
importante. O próprio apresentou a sua teoria em termos discursivos, mostrando
que o rigor é possível não necessariamente escondido numa formalização matemática
intragável.
A teoria fiscal do nível de preços não é uma
teoria popular, como o próprio Sims o reconhece na intervenção em Jackson Hole.
Assenta num modelo dinâmico de múltiplas equações e em agentes económicos racionais
entendidos como capazes de projetar para hoje as estimativas de impostos a pagar
no futuro, reduzindo despesa hoje se estimarem aumentos de impostos no futuro.
O contributo de Sims parte do entendimento
combinado do balanço do banco central e do balanço do governo (restrição fiscal
da ação pública), alertando assim para a não independência da política monetária
e da política fiscal. Em termos que transcendem o alcance deste blogue, Sims
mostra que o comportamento da procura global e da inflação é influenciado pela
não independência da política monetária e da política fiscal. Com base numa
explicação do consumo agregado que depende da taxa real de juro e do nível de
riqueza (em que esta inclui o valor atualizado de rendimentos futuros), Sims mostra
que as ações de política monetária via quantitative
easing podem não contribuir para a concretização da meta de 2% da taxa de inflação.
Essa possibilidade será tanto mais provável quanto mais tais ações ocorrerem em
ambiente de consolidação fiscal, isto é, redução de défices. A redução dos défices
públicos torna mais atrativa a posse de títulos da dívida pública por parte do
setor privado e essa maior atratividade desloca recursos da procura de bens e
serviços, provocando efeitos deflacionários.
Em meu entender, Jackson Hole trouxe menos diálogo
do que o esperado entre condutores da política monetária e academia especializada
na mesma. O contributo de Sims é um outlier na discussão. Invocando a não
independência entre política monetária e política fiscal, Sims alerta no fundo
para a necessidade de cooperação entre condutores da política monetária e
executores da política fiscal. Ora, ao que parece, estes últimos não estiveram
presentes no simpósio, o que é uma metáfora dos nossos dias.
Apesar de todas as dúvidas suscitadas pelos
contributos de Sims (ver reações de Krugman, aqui e de Brad DeLong aqui), não
resisto a deixar alguns pequenos excertos da sua apresentação em Jackson Hole (ver link aqui) (ver também Gavyn Davies no Financial Times):
- “Uma autoridade fiscal que, em nome da responsabilidade fiscal, mantém excedentes orçamentais primários enquanto o banco central diminui as taxas de juro, compromete a efetividade da política monetária no mesmo grau e através do mesmo mecanismo que o observado no Brasil nos anos 80”
- “Hoje, em países com taxas de juro perto de zero e economias deprimidas, os bancos centrais têm de explicar que as políticas monetária e fiscal devem ser conjugadas para atingir as metas de inflação”;
- “Reduções nas taxas de juro só poderão estimular a procura se forem acompanhadas por uma expansão fiscal efetiva”;
- “Uma ampla moratória na zona Euro acerca das regras orçamentais de Maastricht seria necessária para estar em vigor até que a inflação atinja em toda a zona a sua meta”.
Pergunto: onde está na União Europeia a
coordenação necessária entre política monetária e política fiscal?
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