quinta-feira, 1 de setembro de 2016

MAS AFINAL O QUE VEIO DE JACKSON HOLE?




(As expectativas eram altas e o contexto macroglobal assim o determinava, mas, pelo menos pelos papers e intervenções conhecidos e pelas réplicas do debate, os resultados causam algum desapontamento)

As minhas expectativas eram altas. Tudo se conjugava para que o debate em torno da resiliência da política monetária em Jackson Hole trouxesse sinais de que condutores da política monetária e decisores de política económica discutissem a mudança de paradigma que os tempos exigem. Aliás um membro do FED, com assento no FOMC, John Williams do Federal Reserve Bank de São Francisco (aqui atempadamente analisado), precedeu o simpósio do Wyoming com um artigo corajoso sobre os desafios à mudança que se colocam à política monetária. Agora que estão disponíveis os principais contributos apresentados a debate e que se conhecem na blogosfera económica as principais réplicas, alinho com o desapontamento de Lawrence Summers (ver link aqui) acerca dos resultados obtidos. Diga-se de passagem que, seguramente por minha desinformação acerca do “quem é quem de relevante” nestes mundos da política monetária na academia, a lista de contributos era para mim algo desconhecida. Se entre o rol de convidados estava uma nata de contribuições possíveis, entre os apresentadores de artigos e comunicações, o meu conhecimento restringia-se a Janet Yellen, presidente do FED, o nosso Ricardo Reis agora na London School of Economics e o nobel de Princeton Christopher Sims que haveria de apresentar as ideias talvez mais ousadas de entre o que é conhecido. Do debate efetivo que terá havido nada se sabe.

A intervenção inicial de Janet Yellen haveria de marcar a natureza relativamente receosa do debate. Tenho neste blogue chamado a atenção para o verdadeiro dilema em que o FED USA se encontra, a partir do momento em que procurou guiar as expectativas nos mercados com o anúncio de que as taxas de juro de referência seriam aumentadas logo que o comportamento da economia americana o justificasse. Assim, apesar do crescimento económico que apesar de moderado faz inveja a alguns países da União Europeia e de uma taxa de desemprego que praticamente estabilizou em torno dos 5% (que alguns classificariam de taxa natural de desemprego), o FED tem monitorizado à lupa o comportamento da economia americana, hesitando sobre o momento de lançar uma trajetória crescente para as taxas de juro de referência. Não só o produto continua abaixo do produto potencial, como as evidências de que ainda existe uma larga fração de força de trabalho não utilizada alertam a supervisão bancária para que o estado da economia é mais complexo do que a simples relação entre crescimento económico e taxa de desemprego. Diríamos em termos mais técnicos que a lei de OKUN tem de ser hoje interpretada em termos mais amplos do que habitualmente. Para além disso, o enquadramento internacional projeta-se negativamente sobre a economia americana, aconselhando cautelas. Já não falo sobre as teses da estagnação secular de Summers sobre as quais o FED nunca se referiu.

O FED enfrenta ainda a limitação da sua meta de inflação continuar longe de ser atingida e a generalidade dos investidores parece não corroborar os propósitos de forward guidance expostos pelo banco, continuando com expectativas muito moderadas de inflação a longo prazo. Os críticos mais acirrados da gestão de Yellen e seus colegas apontam para os riscos de falta de credibilidade que começam a surgir, a partir do momento em que a meta de inflação dos 2%, quer seja entendida como limite máximo ou média, continua objetivamente aquém dos propósitos do regulador.

A intervenção inicial de Yellen (ver link aqui), não só reproduziu as cautelas sobre a interpretação do comportamento recente da economia americana, como reafirmou a margem de manobra ainda existente (assunto bem controverso) para o que tenho aqui chamado de piruetas da política monetária. Yellen referiu de facto que as intervenções heterodoxas da política monetária (quantitative easing nas suas fórmulas mais diversas) poderiam ser acionadas acaso o comportamento da economia o justificasse. Ora, se compararmos esta crença de Yellen na plasticidade da política monetária com, por exemplo, a proposta de reflexão de John Williams, conclui-se que a intervenção inicial da presidente do FED terá contribuído para secar em parte o debate. Aliás, pelo que pude intuir das apresentações de dois representantes do BCE, também por esse lado a abertura de pensamento de Williams não terá encontrado entre osn condutores da política monetária muita recetividade.

Só neste contexto compreendo que, entre as réplicas do debate na blogosfera económica, tenha sido o contributo do Nobel Christopher Sims de Princeton aquele que suscitou mais notoriedade. O modelo-teoria de Christopher Sims, em regra designado por teoria fiscal do nível de preços, é daqueles modelos matematicamente intragáveis para um cidadão medianamente instruído em termos matemáticos e por isso a sua apresentação em Jackson Hole é importante. O próprio apresentou a sua teoria em termos discursivos, mostrando que o rigor é possível não necessariamente escondido numa formalização matemática intragável.

A teoria fiscal do nível de preços não é uma teoria popular, como o próprio Sims o reconhece na intervenção em Jackson Hole. Assenta num modelo dinâmico de múltiplas equações e em agentes económicos racionais entendidos como capazes de projetar para hoje as estimativas de impostos a pagar no futuro, reduzindo despesa hoje se estimarem aumentos de impostos no futuro.

O contributo de Sims parte do entendimento combinado do balanço do banco central e do balanço do governo (restrição fiscal da ação pública), alertando assim para a não independência da política monetária e da política fiscal. Em termos que transcendem o alcance deste blogue, Sims mostra que o comportamento da procura global e da inflação é influenciado pela não independência da política monetária e da política fiscal. Com base numa explicação do consumo agregado que depende da taxa real de juro e do nível de riqueza (em que esta inclui o valor atualizado de rendimentos futuros), Sims mostra que as ações de política monetária via quantitative easing podem não contribuir para a concretização da meta de 2% da taxa de inflação. Essa possibilidade será tanto mais provável quanto mais tais ações ocorrerem em ambiente de consolidação fiscal, isto é, redução de défices. A redução dos défices públicos torna mais atrativa a posse de títulos da dívida pública por parte do setor privado e essa maior atratividade desloca recursos da procura de bens e serviços, provocando efeitos deflacionários.

Em meu entender, Jackson Hole trouxe menos diálogo do que o esperado entre condutores da política monetária e academia especializada na mesma. O contributo de Sims é um outlier na discussão. Invocando a não independência entre política monetária e política fiscal, Sims alerta no fundo para a necessidade de cooperação entre condutores da política monetária e executores da política fiscal. Ora, ao que parece, estes últimos não estiveram presentes no simpósio, o que é uma metáfora dos nossos dias.

Apesar de todas as dúvidas suscitadas pelos contributos de Sims (ver reações de Krugman, aqui e de Brad DeLong aqui), não resisto a deixar alguns pequenos excertos da sua apresentação em Jackson Hole (ver link aqui) (ver também Gavyn Davies no Financial Times):
  • “Uma autoridade fiscal que, em nome da responsabilidade fiscal, mantém excedentes orçamentais primários enquanto o banco central diminui as taxas de juro, compromete a efetividade da política monetária no mesmo grau e através do mesmo mecanismo que o observado no Brasil nos anos 80”
  • “Hoje, em países com taxas de juro perto de zero e economias deprimidas, os bancos centrais têm de explicar que as políticas monetária e fiscal devem ser conjugadas para atingir as metas de inflação”;
  • “Reduções nas taxas de juro só poderão estimular a procura se forem acompanhadas por uma expansão fiscal efetiva”;
  • “Uma ampla moratória na zona Euro acerca das regras orçamentais de Maastricht seria necessária para estar em vigor até que a inflação atinja em toda a zona a sua meta”.
Pergunto: onde está na União Europeia a coordenação necessária entre política monetária e política fiscal?

Sem comentários:

Enviar um comentário