(A direita e a
esquerda envergonhada e de má consciência estão de cabelos em pé com a tirada
de Mariana Mortágua sobre a tributação do património imobiliário, como se a desigualdade não existisse e não
preocupasse quem discute a sustentabilidade das economias de mercado)
Mariana é Mortágua e,
nessa linha de descendência, combatividade não lhe falta. Numa comissão
parlamentar, destilando a sua competência técnica, é apreciada e tolerada,
mesmo que seja dura a denunciar os malefícios e falta de vergonha da
financeirização da economia portuguesa e de alguns banqueiros. Outro galo canta
quando ousa invadir os domínios da governação. Aqui D’el Rey vem aí o confisco,
a “chavização da economia portuguesa (Ó santa estupidez!), a diabolização da
poupança e da acumulação patrimonial e outros tantos dislates, dos acantonados
no Observador a outros redutos, com maior ou menor expressão. O PS estará a
pegar fogo e, na sessão em que Mariana larga a deixa de que é necessário ir
buscar receitas a quem acumula, o rosto aberto de João Galamba ainda assusta
mais os que vêm em Mariana uma perigosa contaminação para o PS.
Em vários textos, já
aqui expressei a minha interrogação de que em democracia a fadiga fiscal é um
constrangimento significativo e que, por isso, qualquer aumento relevante da
carga fiscal deve ser percebida pelo eleitor no quadro das contrapartidas das
escolhas públicas e da despesa associada que o adicional de receita fiscal irá
permitir. Não ignoro ainda que o baixo nível de desenvolvimento económico da
sociedade portuguesa está perigosamente a concentrar a base de punção fiscal
possível, na prática poucos asseguram o grosso da receita fiscal, sobretudo
tendo em conta que a facilidade com que se põe o dinheiro ao fresco tende a
reduzir ainda mais essa base. Tenho nessa matéria a consciência tranquila, pois
a minha carga fiscal justifica que seja exigente para com a governação e
pretenda ver os frutos concretos do distributivismo que ajudo ano após ano a
construir. Também já aqui manifestei a minha discordância para com a
comunicação das opções do orçamento às fatias ou às pinguinhas, já que tal
método não permite aferir do quadro global de escolhas públicas que o configura
e que tal limitação acaba sempre por voltar o feitiço contra o feiticeiro. Mas
isso não significa que engula a hipocrisia dos que vêm em Mariana uma perigosa
deriva radical do PS.
A direita assumida que
glorifica as virtudes da economia de mercado e a inevitabilidade do capitalismo
e a esquerda envergonhada que tarda a definir o lugar que pretende conceder à
iniciativa económica privada parecem ignorar o debate que se vai instalando
sobre os malefícios da desigualdade crescente para a sustentabilidade da
própria economia de mercado. Quer nos projetemos na desigualdade relativa
(medida por um indicador sintético como o coeficiente de GINI) ou nos
preocupemos com a desigualdade absoluta que resulta do facto de uma dada taxa
de crescimento do rendimento não colocar os grupos de rendimento na mesma
posição, hoje não é necessário ser “chavista”
para compreender que a desigualdade é um problema interno do capitalismo.
Aliás, o modo como a desigualdade é afrontada está na raiz, a par de outras
variáveis, da perceção de que o capitalismo tem variedades e que nem todas apresentam
a mesma sustentabilidade. Ora, o combate à desigualdade tem na política fiscal
um instrumento de eleição. Por isso, embora não ignorando os efeitos políticos
da fadiga fiscal, sobretudo quando ao esforço fiscal não correspondem escolhas
públicas claras, e a possibilidade da globalização não regulada comprometer a
punção fiscal, é pura hipocrisia fazer do imposto sobre o património
imobiliário a fonte de todas as catástrofes. Sobretudo, quando em alternativa,
as mesmas forças do apocalipse não libertam nenhuma ideia para compreender
fiscalmente a acumulação de um dado património para além de certos limites.
Para além disso, a
economia portuguesa não está em velocidade de cruzeiro. Está a tentar recuperar
de um penoso processo de ajustamento em que a não tributação do capital não
logrou atingir os efeitos compensatórios que se atribuem a esse pudor fiscal. Assim
sendo, parece estar dentro das margens de intervenção democrática da maioria
parlamentar procurar uma base de consolidação fiscal com sacrifícios mais
repartidos. É um risco mas poderá ser avaliada numa futura consulta democrática
ao povo português. Com as forças políticas atualmente na oposição a
escudarem-se na não apresentação de soluções e consequentemente a sujeitarem-se
à pressuposição de que repetiriam a dose fiscal do processo de ajustamento, se
consultado o povo português dirá de sua justiça. Não me parece que a procura de
uma maior equidade fiscal, designadamente através do imposto sobre o património
imobiliário acumulado acima de um dado limiar, seja incompatível com a criação
de um enquadramento percetível para o investimento privado, matéria na qual a
posição do governo tem primado por ausência. O alarido mais ou menos
vociferante que grassa por aí tem de ser entendido no quadro da bateria de
materiais arremessados à maioria parlamentar a partir do momento que o acordo
dava mostras de alguma continuidade.
O facto de Mariana ter
passado de deputada competente a ameaça à liberdade económica, com toda a série
de atoardas a pintar a manta, é mais uma tentativa do comentário político se
substituir a uma oposição que pouco mais é notada (Cristas bem o tenta) do que
pela repetição dos argumentos que nos foram vendidos com a história da saída
limpa. Na verdade, todo esse ideário liberal de desconstrução da maioria
parlamentar não o confessa, mas bem lá no fundo gostaria de poder contar com
uma outra oposição. Os seus amos e senhores assim o desejariam. E também bem lá
no fundo antecipa que chegar à maioria absoluta para governar, pois se a não
tiver corre o risco da direita não o poder fazer, vai ser o cabo dos trabalhos
com estes protagonistas. Tudo isto não significa, entretanto, que as coisas
estejam bem pelo reino. Em vários posts o tenho procurado evidenciar. A matéria
para mim central é avaliar se o acordo à esquerda tem elasticidade suficiente
para compreender que não pode ignorar a necessidade de construir um
enquadramento minimamente apelativo para o investimento empresarial. Ou então
saber se o PS tem força suficiente para o forçar nesse contexto parlamentar, ao
mesmo tempo que continua com o TINA dos burocratas de Bruxelas a morder-lhe as
canelas.
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