(Não é hoje
seguro que a política dos golpes palacianos concebidos fora do escrutínio
democrático não venha a sobrepor-se à superioridade moral, intelectual e política
de António Guterres na eleição do novo Secretário-Geral das Nações Unidas, mas independentemente do que vier a passar-se
fica o ensinamento de que é possível ultrapassar o estigma do País)
José Pacheco Pereira tem
sido talvez o mais insistente e consistente na defesa de que o avanço da
candidatura de António Guterres ao novo (veremos se será efetivamente novo)
processo de seleção do secretário-geral das Nações Unidas é essencialmente o
resultado da qualidade e da prática do candidato. Também alinho nessa posição,
pois a ação de Guterres na área do Alto Comissariado das Nações Unidas para os
Refugiados não é pera doce, nem lugar para dondocas ou pusilânimes. Guterres reúne
talvez o melhor de uma geração que outros partilharam como o presidente Marcelo
e constitui talvez a mais consistente representação do progressismo católico em
Portugal, que teve também o seu contributo para a construção do Portugal democrático
e dele precisaríamos hoje provavelmente com mais intensidade.
Tenho maus presságios
quanto aos efeitos da golpada em curso, preparada claramente no interior do PPE,
cada vez mais a evidência de quão degradada andou a social-democracia europeia
para viabilizar a ascensão de tão sinistra convergência de forças. Juncker é
hoje o habilidoso de feira que está na convergência de tais forças e, uma vez
mais, a Europa escolhe a pior via para se afirmar no contexto da geoestratégia
internacional. Entendamo-nos. Ninguém ignora que a candidatura de Guterres
correria riscos de sacrifício se o desenho de alinhamento de forças entre os EUA,
a China e a Rússia, com a França e o Reino Unido hoje algo alquebrados nas suas
ambições de hegemonizar o que quer que seja, se orientasse para outros rumos. Por
vezes, a origem de um país pequeno e inofensivo dá jeito para esses arranjos,
outras vezes sucede o contrário, sobretudo quando se está perante um candidato
que pensa, atua, conhece o terreno e está disposto a denunciar hipocrisias. Se
fosse essa infelizmente a tendência e aconteça ela no quadro das candidaturas
que se sujeitaram ao escrutínio transparente e público, a questão era outra. Mas
quando a dissonância é uma golpada das mais sinistras, com a Comissão Europeia
metida ao barulho, estará tudo dito.
Se Guterres aguentar incólume
esta falta de vergonha a todos os níveis, teremos um processo exemplar
conduzido a partir da tenacidade e da qualidade e generosidade intrínseca de um
personagem da nossa democracia.
Se isso não acontecer e
as forças da geoestratégia mais oculta ou da simples falta de vergonha adulterarem
a transparência de um processo, não teremos apenas uma vitória moral como por
vezes reivindicamos no desporto dos pequeninos. Teremos, isso sim, a manifestação
de que são fortes os constrangimentos e estigmas de País mas que a força da personalidade
e da exemplaridade de um rumo podem aspirar pelo menos a minimizar tais
escolhos. Qualquer que seja o resultado da seleção.
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