sexta-feira, 23 de setembro de 2016

QUADRATURA POLITICAMENTE CORRETA

(Fundação Francisco Manuel dos Santos, "Desigualdade de distribuição de rendimento e pobreza em Portugal", setembro 2016, coordenação Carlos Farinha Rodrigues)



(O estudo coordenado por Carlos Farinha Rodrigues para a Fundação Francisco Manuel dos Santos ocupou uma larga fração do tempo de debate do Quadratura do Círculo de ontem, pena foi que o politicamente correto também passasse por lá)


O gráfico que abre este post, de autoria da equipa coordenada pelo Professor Carlos Farinha Rodrigues para a Fundação Francisco Manuel dos Santos, centrado na análise dos efeitos sociais do ajustamento da Troika, cobrindo um período entre 2009 e 2014, confirma resultados do trabalho realizado pela equipa da Faculdade de Economia do Porto liderada pela Professora Maria Pilar González em que me integrei. No gráfico em causa, é visível que a queda do rendimento disponível por adulto equivalente foi mais acentuada nos 20% mais pobres (os dois primeiros decis da distribuição), seguida pela queda observada nos 10% mais ricos (último decil).

Ou seja, tal como foi objeto da minha análise neste blogue, foram os grupos mais pobres da população a experimentar o maior impacto do ajustamento, ao contrário do anunciado pelo governo de então. O discurso político desse governo ignorou que, tal como Lobo Xavier corretamente ontem o assinalou, uma coisa são os efeitos dos cortes impostos pela política de austeridade, outra coisa bem mais importante são os efeitos globais determinados pela austeridade como um todo que atinge a destruição do sistema produtivo e provoca danos por via do desemprego. Também como oportunamente o assinalámos, para além de mais elevadas, as quedas percentuais de rendimento disponível dos mais pobres são mais socialmente impactantes do que as experimentadas pelos mais ricos, embora estes últimos tenham tido significado. O estudo da FFMS surge no tempo exato, ou sejam numa semana que a ideia do imposto sobre a acumulação de património imobiliário foi corretamente associada à desigualdade na sociedade portuguesa.

Mas, pela confiança que tinha nos resultados a que a equipa do trabalho da FEP chegou, esperei ingenuamente que os resultados do impactante estudo da FFMS despertassem mais discussão entre os três intervenientes no Quadratura. É que os resultados a que chegámos e agora os publicados pelo estudo da FFMS suscitariam alguma discussão recorrente sobre a afirmação recorrente de Pacheco Pereira de que o processo de ajustamento austeritário impactou marcadamente a classe média. Não perdendo de vista que é muito problemática a associação que tendemos a fazer entre grupos de rendimento intermédio e classes médias, os dados da FFMS confirmam a perda de rendimento dos grupos intermédios de rendimento, mas também sugerem que são percentualmente mais baixos do que os suportados pelos grupos mais pobres e também pelos mais ricos. O que justificaria algum debate entre os três intervenientes.

Isso não aconteceu e todos pareceram convergentes no reconhecimento de que afinal foram os mais pobres a suportar o fardo. Só espero que isso não sugira que o politicamente correto também está a passar pelo Quadratura …

Uma última nota, que vale o que vale. Aqui há uns meses, tive a oportunidade de estar presente num júri de mestrado no ISEG, a convite do Paulo Trigo Pereira, júri esse presidido pelo Professor Carlos Farinha Rodrigues. Em conversa pessoal pós provas, dei conta ao Carlos Farinha Rodrigues do nosso trabalho, da publicação do primeiro artigo na obra coletiva da OIT na Edward Elgar e do segundo, mais centrado no tema das classes médias, que aguarda publicação também na Edward Elgar. No dia seguinte, por questão de amabilidade e de ética de investigação, enviei-lhe os dois artigos, o já publicado e o que aguarda publicação. Como a nossa investigação não é invocada, não esperaria que a mesma fosse integrada na bibliografia do trabalho da FFMS. Mas não teria ficado mal ao seu coordenador a sua integração na bibliografia, afinal era apenas a retribuição de uma delicadeza da nossa parte. Que a exposição mediática vos aproveite.

Sem comentários:

Enviar um comentário