(A Europa parece andar
distraída em relação ao que se passa a leste, mas conviria estar atento pois o que se
anuncia não é nada favorável à periferia atlântica em que nos integramos)
O Financial Times deposita simpaticamente todas
as manhãs no meu endereço eletrónico de assinante da edição digital do jornal uma
pequena e preciosa newsletter chamada
de FT Brussels Briefing. Ela é
preciosa sobretudo para alguém afastado do conhecimento tácito dos corredores
de Bruxelas que, com a ajuda desta pequena nota diária e o acompanhamento que o
próprio Economist faz das questões
europeias, consegue minimizar tal distância. Sempre achei que em Portugal se vive
um conhecimento demasiado documental do que vai emergindo na Comissão Europeia
e nas restantes instâncias comunitárias, algo que poderia designar de com.conhecimento,
mobilizando para aqui a caterva de documentos cuja identificação acaba com a
expressão (com). Discute-se pouco o conhecimento tácito que vai emergindo pelos
corredores e reuniões. Temos estado focados nos Fundos Estruturais e no dinheirinho
que daí se movimenta e interessam-nos pouco as questões que verdadeiramente
deveriam interessar-nos. Não sei se nos canais diplomáticos se passa algo de
diferente, mas pelo que se vai ouvindo receio que a onda não seja substancialmente
distinta.
Pois através da nota do FT Brussels Briefing, o jornalista Duncan Robinson alerta-nos para
o que se está a passar no âmbito do chamado grupo dos quatro de Visegrado (Polónia,
Hungria, Eslováquia e República Checa) e mais própria e recentemente na
aproximação entre as figurinhas (ou figurões) conservadoras e populistas de Jaroslaw
Kaczynski da Polónia e Victor Orban na Hungria, a cujo encontro público de mútuo
elogio só faltou o beijo na boca. Projetando-se ativamente no pós-Brexit e nas
mudanças que o abandono do Reino Unido poderá provocar na organização da União
Europeia, as duas personagens reivindicam-se de uma contrarrevolução cultural
na União Europeia, cujos traços não são ainda bem percetíveis (mas antecipáveis
face ao hálito do pensamento das duas personagens). Na raiz do posicionamento
dos dois personagens, está obviamente a rejeição do apagamento das identidades
culturais nacionais que, segundo o seu entendimento, as migrações de refugiados
determinarão para a Europa, e uma mais que certa reorientação da União Europeia
atribuindo aos parlamentos nacionais uma participação mais expressiva no
processo e sobretudo um controlo mais apertado das decisões comunitárias.
O que é para mim relevante neste movimento é a
clara evidência de que um acerto de rumo no projeto europeu com recuo no processo
de transferência do poder dos parlamentos nacionais para as instâncias comunitárias
está hoje essencialmente ocupado por forças políticas e personagens como
Kaczynski e Orban. Ou seja, pensamentos democraticamente genuínos como, por
exemplo, o de Pacheco Pereira, que sempre denunciou a precoce, apressada e não
escrutinada perda de intervenção dos parlamentos nacionais, tem hoje
involuntariamente companhias muito pouco recomendáveis. Por isso, sem certezas
nesta matéria, interrogo-me se, no contexto de recrudescimento perigoso dos
populismos e nacionalismos políticos, com carga de religiosidade conservadora no
caso da Polónia, será hoje possível e benéfica para a Europa como um todo o
recuo estratégico na transferência de poderes para as instâncias comunitárias,
não ignorando ainda o débil contrapoder que o Parlamento Europeu hoje ainda
apresenta. Entre os dois reformismos possíveis, o do recuo na transferência
desses poderes e o do aprofundamento das diferentes dimensões da integração política,
interrogo-me qual poderá ser o mais virtuoso do ponto de vista dos interesses
globais de quem aspira a partilhar uma identidade europeia. É um facto que os
figurões Kaczynski e Orban são péssimas companhias para o primeiro movimento. Mas
não é menos verdade que no segundo teremos como má companhia a deriva burocrática
que vê no aprofundamento da integração política a melhor via de escapar a um
escrutínio democrático saudável.
E há aqui por isso uma significativa alteração
de contexto. Estamos habituados a situar o reformismo em contraponto a vias
mais radicais. Neste caso, o dilema está instalado no seio das próprias posições
reformistas. E a revitalização da social-democracia europeia também passa por
esta questão.
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