terça-feira, 13 de setembro de 2016

PRESSÃO SOBRE OS EXCEDENTES ALEMÃES




(Agora que há sinais de que a política externa alemã é mais interventiva do que parece, veja-se o imbróglio em torno da eleição para Secretário-Geral das Nações Unidas, conviria transformar as pressões crescentes sobre os excedentes orçamentais e externos alemães em algo de mais vasto, com impacto na organização económica global)

A publicação generalizada dos dados macroeconómicos respeitantes ao 1º semestre de 2016 colocou de novo na berlinda a relação virtuosa (para a economia alemã e não para a economia europeia como um todo) entre os excedentes orçamentais e os excedentes da balança externa corrente. Alguns economistas têm mostrado que não se trata apenas de mera tautologia contabilística (a célebre identidade (T-G) + (S-I) = X-Z). A redução de défices públicos e a entrada num caminho de excedentes orçamentais tende a reduzir o investimento e o consumo e, via importações, a determinar excedentes externos correntes mais pronunciados. Há estudos do FMI que mostram que a consolidação de 1% do PIB no orçamento do Estado gera um crescimento de 0,6% do PIB na balança corrente externa. É natural por isso que, à escala da economia global, se formem clubes de países simétricos, isto é, países com excedentes externos que se interligam com países deficitários. No clube europeu, é conhecida a simetria entre os países do Norte, marcadamente a Alemanha, e as economias do sul. Da existência destes clubes não virá tragédia para o mundo a não ser que se transformem em realidades rígidas e estruturais, ou seja, em que a situações excedentárias se seguem situações deficitárias em regime de alternância. É hoje crescente a convicção de que a Alemanha está por esta via a construir uma política de “beggar-my-neighbour” penalizando estruturalmente os seus parceiros, ou seja obrigando os seus parceiros europeus a penosos processos de desvalorização interna para recuperar dos efeitos dessa política.

Com a projeção e divulgação que o meio permite, o Economist na sua edição da passada sexta-feira (3 de setembro) coloca preto no branco que os excedentes orçamentais alemães são nocivos para a economia mundial. É talvez exagerado pressupor que exista da parte dos alemães uma tentativa deliberada dos alemães (a história económica e um dos primeiros trabalhos seminais de Hirschman patrono deste blogue mostram que o advento do nazismo foi também construído com uma gestão deliberada de excedentes comerciais com os seus principais vizinhos) de com as suas poupanças (públicas e privadas) provocarem deliberadamente o sofrimento e a penúria a sul. A fobia alemã de forçar as economias do sul a um comportamento mimético das pretensas virtualidades alemãs só seria possível se, globalmente, a União Europeia conseguisse impor como um todo os seus excedentes orçamentais e externos a toda a economia mundial. Ora, isso não é possível por duas razões: primeiro, porque uma união económica e monetária tem regras (que não são apenas aplicáveis a alguns) e a Alemanha está claramente a violar a impossibilidade estatutária de excedentes permanentes); segundo, porque na economia mundial o princípio é exatamente o mesmo, a sua estabilidade não é compatível com a existência em permanência de clubes de excedentários e de deficitários. Por isso, destas virtudes está o inferno cheio. O imprevisto (pelas principais organizações internacionais, com o FMI à cabeça) excedente orçamental alemão do 1º semestre é contrário aos interesses de estabilização da União Europeia e da economia mundial como um todo. A Alemanha não está isolada dos interesses da economia mundial como um todo e isto é assim quer se conclua que Keynes não foi suficientemente lido na Alemanha como o foi noutros países de língua inglesa ou com acesso fácil à mesma.

O Economist tem razão quando menciona que o problema é mais geral do que os alemães compreenderem que a sua frugalidade só é possível com a existência de países permanentemente deficitários. E há aqui uma diferença ou nuance que não pode passar despercebida. Enquanto o sistema financeiro mundial não deu mostras de instabilidade, os alemães financiavam a sua própria frugalidade apoiando através dos seus bancos o despesismo dos deficitários e nessa altura ninguém ouviu a preocupação dos alemães para com os exageros das economias do sul. O sistema financeiro quebrou e, sorrateiramente, a Alemanha pôs a salvo uma grande parte do seu sistema financeiro, retirando capitais e favorecendo o resgate dessas economias. Depois de estar a milhas, então o discurso mudou. Presentemente, o Deutsche Bank ainda não inspira confiança e os bancos de poupança alemães lutam desesperadamente com o espectro das taxas de juro negativas e com o fantasma de não remunerar a poupança frugal das gerações de reformados.

Moral da história: quando uma dada economia, com alguma dimensão, começa a comportar-se na economia mundial como se não houvesse parceiros, entra implicitamente no rumo de que gerir o comércio externo com base em excedentes permanentes equivale a fazer a guerra. O mundo está desequilibrado e o pior é que não se vislumbra quem o poderá conduzir (e com que pensamento) a uma gestão mais equilibrada do comércio externo que nele se pratica.

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