(Agora que há
sinais de que a política externa alemã é mais interventiva do que parece,
veja-se o imbróglio em torno da eleição para Secretário-Geral das Nações Unidas,
conviria transformar as
pressões crescentes sobre os excedentes orçamentais e externos alemães em algo
de mais vasto, com impacto na organização económica global)
A publicação
generalizada dos dados macroeconómicos respeitantes ao 1º semestre de 2016
colocou de novo na berlinda a relação virtuosa (para a economia alemã e não
para a economia europeia como um todo) entre os excedentes orçamentais e os
excedentes da balança externa corrente. Alguns economistas têm mostrado que não
se trata apenas de mera tautologia contabilística (a célebre identidade (T-G) +
(S-I) = X-Z). A redução de défices públicos e a entrada num caminho de
excedentes orçamentais tende a reduzir o investimento e o consumo e, via
importações, a determinar excedentes externos correntes mais pronunciados. Há
estudos do FMI que mostram que a consolidação de 1% do PIB no orçamento do
Estado gera um crescimento de 0,6% do PIB na balança corrente externa. É
natural por isso que, à escala da economia global, se formem clubes de países
simétricos, isto é, países com excedentes externos que se interligam com países
deficitários. No clube europeu, é conhecida a simetria entre os países do
Norte, marcadamente a Alemanha, e as economias do sul. Da existência destes
clubes não virá tragédia para o mundo a não ser que se transformem em
realidades rígidas e estruturais, ou seja, em que a situações excedentárias se
seguem situações deficitárias em regime de alternância. É hoje crescente a
convicção de que a Alemanha está por esta via a construir uma política de “beggar-my-neighbour” penalizando
estruturalmente os seus parceiros, ou seja obrigando os seus parceiros europeus
a penosos processos de desvalorização interna para recuperar dos efeitos dessa
política.
Com a projeção e
divulgação que o meio permite, o Economist na sua edição da passada sexta-feira
(3 de setembro) coloca preto no branco que os excedentes orçamentais alemães
são nocivos para a economia mundial. É talvez exagerado pressupor que exista da
parte dos alemães uma tentativa deliberada dos alemães (a história económica e
um dos primeiros trabalhos seminais de Hirschman patrono deste blogue mostram
que o advento do nazismo foi também construído com uma gestão deliberada de
excedentes comerciais com os seus principais vizinhos) de com as suas poupanças
(públicas e privadas) provocarem deliberadamente o sofrimento e a penúria a
sul. A fobia alemã de forçar as economias do sul a um comportamento mimético
das pretensas virtualidades alemãs só seria possível se, globalmente, a União
Europeia conseguisse impor como um todo os seus excedentes orçamentais e
externos a toda a economia mundial. Ora, isso não é possível por duas razões:
primeiro, porque uma união económica e monetária tem regras (que não são apenas
aplicáveis a alguns) e a Alemanha está claramente a violar a impossibilidade
estatutária de excedentes permanentes); segundo, porque na economia mundial o
princípio é exatamente o mesmo, a sua estabilidade não é compatível com a
existência em permanência de clubes de excedentários e de deficitários. Por
isso, destas virtudes está o inferno cheio. O imprevisto (pelas principais
organizações internacionais, com o FMI à cabeça) excedente orçamental alemão do
1º semestre é contrário aos interesses de estabilização da União Europeia e da
economia mundial como um todo. A Alemanha não está isolada dos interesses da
economia mundial como um todo e isto é assim quer se conclua que Keynes não foi
suficientemente lido na Alemanha como o foi noutros países de língua inglesa ou
com acesso fácil à mesma.
O Economist tem razão
quando menciona que o problema é mais geral do que os alemães compreenderem que
a sua frugalidade só é possível com a existência de países permanentemente
deficitários. E há aqui uma diferença ou nuance que não pode passar
despercebida. Enquanto o sistema financeiro mundial não deu mostras de
instabilidade, os alemães financiavam a sua própria frugalidade apoiando
através dos seus bancos o despesismo dos deficitários e nessa altura ninguém
ouviu a preocupação dos alemães para com os exageros das economias do sul. O
sistema financeiro quebrou e, sorrateiramente, a Alemanha pôs a salvo uma
grande parte do seu sistema financeiro, retirando capitais e favorecendo o
resgate dessas economias. Depois de estar a milhas, então o discurso mudou.
Presentemente, o Deutsche Bank ainda não inspira confiança e os bancos de
poupança alemães lutam desesperadamente com o espectro das taxas de juro
negativas e com o fantasma de não remunerar a poupança frugal das gerações de
reformados.
Moral da história:
quando uma dada economia, com alguma dimensão, começa a comportar-se na
economia mundial como se não houvesse parceiros, entra implicitamente no rumo
de que gerir o comércio externo com base em excedentes permanentes equivale a
fazer a guerra. O mundo está desequilibrado e o pior é que não se vislumbra
quem o poderá conduzir (e com que pensamento) a uma gestão mais equilibrada do comércio
externo que nele se pratica.
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