quinta-feira, 15 de setembro de 2016

ORÇAMENTOS ÀS PINGUINHAS




(É simplesmente deplorável que a apresentação do Orçamento de Estado à Assembleia da República seja precedida de uma cacofonia voyeurista sobre algumas das suas opções, não tendo ainda compreendido quais as vantagens políticas dessa salgalhada mediática)

É recorrente ouvir as forças políticas carpir mágoas sobre a dificuldade de envolver os cidadãos na Nobre política, valorizando o papel desses agentes democráticos. Paradoxalmente, ao mesmo tempo que carpem essas mágoas, fazem tudo o que parece estar ao seu alcance para produzir um resultado contrário à sua legítima pretensão.

Parece não haver dúvidas de que a discussão em torno do Orçamento Geral do Estado deveria constituir um momento relevante para interessar um conjunto cada vez mais alargado de cidadãos nas escolhas públicas que o “fazem”. Sou dos que defendo que os orçamentos de Estado anuais em Portugal extravasam o alcance que deveriam ter e que algumas políticas públicas deveriam ter um outro quadro de discussão, independentemente de se projetarem inevitavelmente no orçamento. Entre outros aspetos, a inexistência de orçamentos plurianuais constitui uma lacuna grave que projeta para a discussão anual do orçamento uma carga desproporcionada. Mas, de qualquer modo, ponderadas tais limitações, a preparação e discussão do orçamento deveriam representar uma oportunidade de devolução saudável da política aos cidadãos.

Ora, e este ano não será exceção, talvez até em estádio mais grave, é deplorável o modo como dia-a-dia as opções governamentais mudam perante o olhar atónito do cidadão que vê o seu património ou rendimento valorizar-se ou desvalorizar-se perante a sanha fiscal que vai sendo anunciada. É difícil compreender o alcance e significado das múltiplas fugas de informação que vão sendo vertidas para o voyeurismo jornalístico. No ano presente, uma variável adicional tem de ser ponderada, já que estão a decorrer negociações no quadro do apoio parlamentar ao governo. Nada me garante que parte dessas fugas não vise influenciar a relação de forças dessas negociações.

Neste quadro de orçamentos às pinguinhas, nadam obviamente com dificuldade os ministros com menor capacidade comunicacional. Não sei se, por exemplo, Mário Centeno terá tempo suficiente de aprendizagem de governação para melhorar esse sentido comunicacional. Perante a arremetida de jornalistas obcecados por uma caixa, Centeno lá foi falando, opacamente, em balanceamento de impostos diretos e indiretos e o cidadão normal, ajudado por jornalistas prestimosos, lá pensou vem aí aumento do IVA. Uns dias depois, mais umas pinguinhas e o cidadão descansou, não o IVA não aumenta, mas outras frentes se abrirão. E até à discussão em plenário o que aí virá. Diria que estamos perante uma prostatite orçamental.

Estou obviamente curioso quanto ao equilíbrio que vai ser encontrado à esquerda para viabilizar a aprovação do orçamento.

Há sobretudo duas questões que considero fundamentais.

Primeiro, considerando que a consolidação orçamental está aí e o aperto de contas públicas não tem tréguas, de que modo o orçamento para 2017 e a governação à esquerda mostrarão que os contribuintes da austeridade serão dominantemente outros?

Segundo, o que é que o orçamento de 2017 trará para clarificar o quadro envolvente do investimento empresarial privado?

Antevejo que a resposta à primeira questão possa ser positiva. Já não tenho o mesmo sentimento em relação à segunda.

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