(É simplesmente
deplorável que a apresentação do Orçamento de Estado à Assembleia da República
seja precedida de uma cacofonia voyeurista sobre algumas das suas opções, não tendo ainda compreendido quais as
vantagens políticas dessa salgalhada mediática)
É recorrente ouvir as
forças políticas carpir mágoas sobre a dificuldade de envolver os cidadãos na
Nobre política, valorizando o papel desses agentes democráticos.
Paradoxalmente, ao mesmo tempo que carpem essas mágoas, fazem tudo o que parece
estar ao seu alcance para produzir um resultado contrário à sua legítima
pretensão.
Parece não haver dúvidas
de que a discussão em torno do Orçamento Geral do Estado deveria constituir um
momento relevante para interessar um conjunto cada vez mais alargado de cidadãos
nas escolhas públicas que o “fazem”. Sou dos que defendo que os orçamentos de
Estado anuais em Portugal extravasam o alcance que deveriam ter e que algumas
políticas públicas deveriam ter um outro quadro de discussão, independentemente
de se projetarem inevitavelmente no orçamento. Entre outros aspetos, a
inexistência de orçamentos plurianuais constitui uma lacuna grave que projeta
para a discussão anual do orçamento uma carga desproporcionada. Mas, de
qualquer modo, ponderadas tais limitações, a preparação e discussão do
orçamento deveriam representar uma oportunidade de devolução saudável da
política aos cidadãos.
Ora, e este ano não será
exceção, talvez até em estádio mais grave, é deplorável o modo como dia-a-dia
as opções governamentais mudam perante o olhar atónito do cidadão que vê o seu
património ou rendimento valorizar-se ou desvalorizar-se perante a sanha fiscal
que vai sendo anunciada. É difícil compreender o alcance e significado das
múltiplas fugas de informação que vão sendo vertidas para o voyeurismo
jornalístico. No ano presente, uma variável adicional tem de ser ponderada, já
que estão a decorrer negociações no quadro do apoio parlamentar ao governo.
Nada me garante que parte dessas fugas não vise influenciar a relação de forças
dessas negociações.
Neste quadro de
orçamentos às pinguinhas, nadam obviamente com dificuldade os ministros com
menor capacidade comunicacional. Não sei se, por exemplo, Mário Centeno terá
tempo suficiente de aprendizagem de governação para melhorar esse sentido
comunicacional. Perante a arremetida de jornalistas obcecados por uma caixa,
Centeno lá foi falando, opacamente, em balanceamento de impostos diretos e
indiretos e o cidadão normal, ajudado por jornalistas prestimosos, lá pensou
vem aí aumento do IVA. Uns dias depois, mais umas pinguinhas e o cidadão
descansou, não o IVA não aumenta, mas outras frentes se abrirão. E até à
discussão em plenário o que aí virá. Diria que estamos perante uma prostatite
orçamental.
Estou obviamente curioso
quanto ao equilíbrio que vai ser encontrado à esquerda para viabilizar a
aprovação do orçamento.
Há sobretudo duas
questões que considero fundamentais.
Primeiro, considerando
que a consolidação orçamental está aí e o aperto de contas públicas não tem
tréguas, de que modo o orçamento para 2017 e a governação à esquerda mostrarão
que os contribuintes da austeridade serão dominantemente outros?
Segundo, o que é que o
orçamento de 2017 trará para clarificar o quadro envolvente do investimento
empresarial privado?
Antevejo que a resposta
à primeira questão possa ser positiva. Já não tenho o mesmo sentimento em
relação à segunda.
Sem comentários:
Enviar um comentário