(Onde se regista
a relevância de uma crónica de Joaquim Azevedo hoje publicada no jornal Público,
que todos os defensores da
escola pública deveriam discutir aprofundadamente)
O Doutor Joaquim Azevedo
é seguramente daqueles nomes cujos escritos e testemunho, depois de consumida a
espuma do tempo e terem assentado todas as poeiras das conjunturas políticas,
ficará na história da educação em Portugal. Não tenho dúvidas disso. Apesar do
meu relacionamento pessoal, mais intenso no passado, não significar
convergência política em muitos assuntos, não sinto qualquer constrangimento em
reconhecer o seu contributo para o futuro da educação em Portugal. Quando foi
secretário de Estado da Educação, se na altura não tivesse apanhado com Couto
dos Santos como ministro, a sua ação teria tido outro alcance, mas dos tempos
em que dirigiu o ensino técnico-profissional e artístico ficaram resultados e
experiências que ainda são recordados entre a comunidade educativa. A sua
passagem como Reitor pelo Centro Regional da Universidade Católica no Porto
deixou um rasto de frustração, mas haverá muita coisa intra-organização da
Universidade Católica que nos escapou e que certamente explicaria esse rasto de
frustração.
O Joaquim Azevedo tem
uma presença contida nos meios de comunicação, o que significa que fala ou
escreve quando vê nisso justificação pública, que é um princípio que me agrada
fortemente, farto de passarada que só produz ruído e cujo pensamento se
esboroará naturalmente com o não acesso a esses meios. Pois, o Joaquim Azevedo
coloca hoje no Público um sério desafio aos defensores da escola pública, nos
quais me incluo. Acho sinceramente que o devemos ouvir e discutir se o que ele
apresenta no artigo resulta de uma experiência pontual e localizada (neste caso
em algumas escolas do Porto), merecedora de correção mas sem amplitude digamos
sistémica, ou se pelo contrário estaremos perante uma deriva de mais larga
amplitude.
O artigo em apreciação
denuncia, e pelo tipo de trabalho de terreno que tem coordenado o autor sabe do
que fala, a situação de rejeição de matrículas que alguns jovens problemáticos,
que nós designamos de em trajetória para a exclusão e abandono escolar
definitivo, enfrentam em diferentes escolas da cidade do Porto nas quais
pretendem manter um elo de ligação à Escola. A análise é crua como convém: uma
coisa é em abstrato defender a escola pública pelo seu papel na defesa da
justiça e da equidade social, outra coisa bem diferente é promover esses
valores em condições concretas de públicos que exigem uma abordagem que a
Escola tradicional não é hoje capaz de realizar. A denúncia de Joaquim Azevedo
interpela o sistema e a tutela política do Ministério, pois em seu entender a
situação é conhecida, mas olhada com a indiferença conveniente a quem não está
disposto a organizar-se em parcerias sociais mais alargadas para combater o
problema. De facto, como o autor o assinala e bem, a Escola de hoje, perante a
emergência declarada desse problema, está perante um conflito: por um lado,
pode aspirar a minimizar o seu papel de reprodutor de desigualdades que entram
pelas suas portas (estou em crer que em muitos casos se pede demais à Escola,
não reconhecendo que a comunidade educativa é mais lata); mas, por outro, está
perante a possibilidade de ser ela própria indutora de novas desigualdades. Na
verdade, se a Escola Pública alinhar numa política de seguidismo mimético do
que o ensino privado realiza sem qualquer problema de consciência, toda a
argumentação de defesa dessa Escola Pública cai por terra. O que o Joaquim
Azevedo parece defender é que entre o público e o privado existirá um universo
interinstitucional de parceria e concertação de objetivos que pode
contratualizar com o Estado a inclusão desses públicos e que ajude
inclusivamente a própria Escola Pública a não abdicar dos princípios e valores
pelos quais vale a pena continuar a trabalhar pela sua concretização. Mais um
tema em que a inovação social pode ajudar a construir soluções para problemas
novos. E o que sei é que o Portugal 2020 foi particularmente generoso em
consagrar recursos para o combate ao abandono e insucesso escolares. Pouca
gente sabe o que fazer nessa matéria e haverá sempre a tendência para o
Ministério capturar o acesso a tais fundos, algo facilitado pela desorientação
municipal nessa matéria.
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