(Novas evidências
sobre uma realidade incontornável, o discurso da globalização já não é o mesmo)
Tenho neste blogue dedicado muita atenção ao
que me parece ser um dos traços fundamentais da década que atravessamos, ainda
que o fenómeno tenha emergido ainda nos fins da década de 2000. Esse traço
fundamental é o do significativo recuo em que se encontra todo o discurso
apologético da globalização. E não estou apenas a falar das questões
conceptuais e de organização do processo de globalização que alguns
economistas, com Dani Rodrik claramente à frente, oportunamente suscitaram,
mostrando que a manutenção do rumo de aprofundamento era inviável, ou possível
com custos políticos e sociais insuportáveis.
O recuo de que falo é mais vasto.
Ele abrange, em primeiro lugar, a alteração
radical do lugar que a globalização passou a ocupar no discurso político. O
amplo apoio político neoliberal que o aprofundamento da globalização suscitou
nos anos 80 e 90 está hoje desfeito, senão pelo menos seriamente abalroado.
Sucedem-se as reservas políticas quanto às negociações dos dois mais
importantes acordos económicos globais (regionais), a relação Europa versus EUA
e Canadá (o chamado acordo da economia norte atlântica) e a relação entre os
EUA e a Ásia. Ninguém ousa politicamente comprometer-se com tais negociações.
As primárias e as eleições americanas trouxeram para a ribalta política
reservas e entraves à afirmação da economia global. Os nacionalismos europeus,
populismos à esquerda e à direita, atiram-se à globalização em termos tais que
devem perturbar o sono profundo no além de personagens como Thatcher ou Reagan
e põem em guarda alguns artífices do desmantelamento aduaneiro, por exemplo na
Europa, que atuaram à solta e sem qualquer controlo durante largo tempo. Hoje,
mesmo os centros de pensamento mais esclarecido que continuam a suportar o
processo de globalização, como por exemplo o espírito editorial de jornais como
o Financial Times e o The Economist, aparecem a defender a
globalização mais por via dos custos da sua anulação do que propriamente por
via direta da bondade dos seus efeitos. Para além disso, esses centros de
pensamento e de opinião económica estão hoje muito mais abertos ao
reconhecimento de que não foram bem ponderados os ganhos e perdas fortemente
desiguais gerados pelo processo.
Em segundo lugar, estão hoje disponíveis
informações estatísticas que mostram que o melhor dos mundos já passou. Alguma
dessa informação estatística já aqui a tratei. Assim, é o caso, da interrupção
observada no crescimento do rácio “World Trade/GDP”,
que se verifica qualquer que seja a métrica usada para medir a intensidade do
aprofundamento da integração económica mundial. Quer usemos apenas as
exportações mundiais, ou acrescentemos as importações e até os fluxos
financeiros, a estagnação do rácio é visível e, o que é mais importante, é que
já não pode ser entendida como uma perturbação conjuntural. Já lá vão mais de
oito anos desde o eclodir dos acontecimentos de 2007-2008, marco a partir do
qual a série começou a ter comportamento diferente.
Justin Fox, no Bloomberg View, acrescenta duas outras evidências estatísticas em
conformidade plena com o indicador de alerta que tenho utilizado em algumas
apresentações públicas.
O comércio dos fluxos de comércio ao nível do
G20 confirma o já referido indicador de alerta (ver gráfico acima). E o mesmo
se passa com o índice do comércio mundial em volume (ver gráfico abaixo).
A simpática newsletter do Policy Review.eu
que me chega regularmente à minha caixa de correio eletrónico traz para
o mundo das evidências o conhecido Globalization
Report (neste caso de
2016),publicado regularmente pela Prognos AG que o elabora para o think tank Bertlesmann
Stiftung. E fá-lo não hesitando no título: “O motor da
globalização perde força”. Mas o curioso da questão é que a publicação da fundação
privada Bertlesmann Stiftung é provavelmente um dos únicos documentos vindos
recentemente a público que continua a mostrar confiança no processo. O relatório trabalha com base num índice de globalização, que tem a particularidade de integrar
não apenas indicadores de integração económica (que ponderam não só os efeitos clássicos
de alargamento do comércio mas igualmente limites administrativos a esse
alargamento), mas também de globalização em termos sociais, como as migrações e
o turismo e de natureza política, onde se consideram fatores de conexão
internacional e de abertura nas relações externas. Como qualquer outro
indicador compósito, embora atraia jornalistas iletrados e fanáticos por rankings,
quanto mais complexo e compósito o indicador mais difícil se torna interpretar
os seus resultados. O índice do relatório de 2016 revela que o mesmo diminuiu
pela primeira vez em 35 de um total de 42 países analisados. Países como o Japão,
Alemanha, Suiça, Finlândia e Dinamarca continuam a emergir no relatório com
crescimento do rendimento per capita induzidos pelo processo de globalização, Não
será por acaso que no grupo dos cinco há três países de pequena dimensão.
O relatório defende bastante o potencial de
globalização acrescida que está contido nas economias emergentes. Mas com os
ventos do recuo do discurso político da globalização nas economias mais avançadas,
as economias emergentes podem perceber que globalização acrescida significará graus
desiguais de abertura. Abrir as suas economias e deparar com hostilidade económica
à globalização é um mau negócio e rapidamente será percebido como tal. Por isso,
tenho dúvidas de que o Globalization Report 2016 vá ter algum impacto. Por razões
óbvias.
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