(A geringonça está
sob a mira de Manuel Carvalho, está no seu direito de opinião e o importante é avaliar se é produto do
mau-humor anti-poder ou, se pelo contrário, oferece matéria sobre a qual valha
a pena refletir. Estou mais inclinado para a segunda do que para a primeira)
Gosto da prosa e da postura do jornalista Manuel Carvalho
do Público. Não manda dizer por outros o que lhe vai na alma, é frontal no que
escreve, geralmente baseado em conhecimento fundamentado. Estive com ele num número
reduzido de eventos públicos e não sei por que carga de água se refere às
minhas intervenções como o “académico” António Figueiredo. O que para um “practitioner” assumido causa sempre
alguma incomodidade, mas isso não chega para influenciar a minha opinião sobre
o que escreve regularmente.
Há umas crónicas a esta parte, Carvalho tem vindo a desancar
sobre o modelo da geringonça, diria em escala de animosidade crescente. O
artigo de hoje vai nessa linha. E, enquanto saboreava o café da manhã de
domingo, depois de comemorar em Seixas os 40 anos do filho mais velho (como o
tempo passa) e simultaneamente o batizado do neto Pedro, foi-se-me formando no
espírito esta charla. E acho que o que Carvalho diz merece reflexão a todos os
que estão mobilizados para encontrar uma alternativa de governação que escape à
sanha “ajustadora” de projetos tipo Paf.
O tema inspirador é o imposto sobre a acumulação de
património imobiliário que, no deplorável modelo de preparação do orçamento às
pinguinhas (ver meu penúltimo post), saltou para a ribalta do comentário político,
à falta de melhor, pois o ano letivo parece ter arrancado sem grandes
trapalhadas (o que já é uma vitória da geringonça e do seu jovem
ministro-investigador) e o resplandecente ego de Jorge Jesus não chega para
ocupar a atenção do pessoal. Carvalho parece não estar contra a mensagem e
significado que atravessam a proposta do novo imposto, mesmo que a monocórdica
Teodora tenha trazido para a discussão o tema da estabilidade fiscal. O imposto
tem uma carga distributiva assumida (e, declaração de conflito de interesses,
sossegou-me que as minhas duas habitações (de residência e de lazer) não
chegam, nem nada que se pareça, aos limiares que têm sido comunicados. A alternância
democrática, se pode gerar algum sobressalto à monocórdica Teodora, tem sempre
de oferecer alguma margem de manobra de escolhas políticas e a figura do novo
imposto está, em meu entender, no âmbito dessa margem de manobra. Por isso,
parece não ser o motivo do assanhamento de Carvalho e não me parece também que
o tema da estabilidade fiscal suscitado pela monocórdica Teodora tenha impressionado
o jornalista.
O que provocará então o tom desabrido de Carvalho? O
jornalista do Público denuncia o que, no seu entender, constitui a ocultação
dos fundamentos que determinam a procura de receita adicional que o imposto
sobre a acumulação de património imobiliário, para além de certos limites, representa.
Segundo Carvalho, o governo deveria transmitir preto no branco aos portugueses
a seguinte mensagem justificativa: para financiar a despesa pública adicional
necessária para concretizar as apostas que subjazem ao acordo parlamentar à
esquerda e dada a fragilidade da resposta do sistema produtivo nacional aos
incentivos políticos da nova governação, novos impostos são necessários, o mais
distributivos possível, para garantir que tudo se mantém dentro dos limites que
o colete de forças das regras europeias acabam por determinar.
Ora, meus amigos, acho que o que diz Carvalho merece
alguma atenção. Outros dirão que a equação não se resolve assim. Resolve-se
convencendo a nova maioria de esquerda que a progressão do caminho para o “bem-bom”
não pode ser tão rápida. Mas na minha interpretação o mais importante do que
Carvalho diz não está em refrear os ímpetos “reposicionistas” do suporte político
da nova governação. O mais importante, e aí claramente em linha com o que tenho
escrito por estas paragens, é a falta de resposta do sistema produtivo nacional
para acomodar a intensidade da reposição do simulacro nacional de aproximação
ao bem-estar material do Europeu médio. Ora esse é em meu entender o ponto
fundamental. E aqui há matéria sobre a qual ainda não é possível ter uma ideia
mais segura para fundamentar qualquer intervenção, se é que ela é possível,
pois a esquerda tem por vezes a ideia peregrina de que a política económica
pode resolver tudo. Não, não pode. Tem limites e convém ter isso sempre
presente. As questões em aberto são as seguintes: (i) a fragilidade de resposta
do sistema produtivo nacional deve-se a uma falta de confiança na geringonça e
no seu futuro político, penalizando irremediavelmente o investimento? (ii) Ou
deve-se à situação económica de estagnação secular que aflige em grande parte
os países que constituem os nossos mercados preferenciais; (iii) Ou os
portugueses estão a antecipar as benesses aos consumo que a nova governação proporcionou
travando esse consumo para ver em que param as modas, reduzindo dívida pessoal,
por exemplo? (iv) Ou será ainda que a economia informal está a absorver o alívio
das condições melhoradas de rendimento, designadamente absorvendo as que se
libertam com o ano excelente de turismo que estamos a experimentar?
É que a resposta global do sistema produtivo nacional não
se mede pelas notícias de sucesso de investimentos privados que povoam os semanários
ou que alimentam as já gastas visitas de ministros e Presidente para massajar o
ego dos portugueses. Não são as “modas” estatísticas da distribuição que
alimentam a recuperação global, mas antes as médias. É sobre esta matéria que
Carvalho gostaria que houvesse por parte do Governo uma comunicação aos
Portugueses mais clara e frontal. Não sei se isso seria possível, pois este
Governo como tantos outros exagera na capacidade que a política económica tem
para poder influenciar realmente a resposta do sistema produtivo global e isso é
também verdade quando capitaliza exageradamente melhorias de situação económica
global entretanto observada. E quem comete tal erro, tende a subverter depois
as respostas possíveis para explicar a falha da resposta pretendida. Há uma
verdade indesmentível que é quase sempre escamoteada. Manejar o investimento público
é uma coisa, procurar influenciar o investimento privado é outra completamente
diferente, e os projetos governamentais parecem por vezes admitir que é tudo
uma questão de grau de confiança. Sobretudo quando a margem de manobra para o
investimento público está fortemente cerceada pelas regras europeias. Ora, o
que já não se compreende e continuo à espera de uma justificação cabal para não
totós é que a componente de investimento acionável via Fundos Estruturais tenha
permanecido tão periclitante em termos de execução. Perante a não resposta
assumida a estas questões, compreendo a irritação de Carvalho ao denunciar que
o imposto sobre a acumulação de património imobiliário é uma manobra dilatória,
embora distributiva.
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