(Estava escrito nos astros que mal a Comissão para a
Descentralização presidida por João Cravinho apresentasse resultados e matéria para
um debate público alargado viria a terreiro a corja que associa a regionalização
ao fim do mundo. Estou
a ver o filme, repetitivo, gasto e o absurdo é que, apesar disso, as forças políticas
se encolhem face a estes pretensos intérpretes e guardiões do interesse nacional)
Ainda não acabei de ler o relatório da comissão
presidida por João Cravinho, mas pelo que já li trata-se de um trabalho honesto,
com uma ampla audição de um conjunto vastíssimo de personalidades, incluindo
adversários declarados do tema. Aliás, outra coisa não seria de esperar tendo
em conta a composição da comissão.
Como certamente terão notado, embora a
composição da comissão não tivesse despertado à partida críticas de maior, houve
a meio percurso a tentativa de a enlamear quando João Cravinho solicitou à Assembleia
da República recursos adicionais para pagar alguns estudos complementares que o
grupo inicialmente nomeado considerava imprescindíveis, designadamente em matéria
legal. Como é regra, tais dislates tendem rapidamente a esbater-se e a comissão
dispôs de um contexto sem ruído para concluir o seu relatório. Mas estava
escrito nos astros que, mal o fantasma da regionalização, se reerguesse as
mesmas vozes se levantariam, chocados com os riscos da fragmentação do país, do
descontrolo da despesa pública e de mais um enxame de políticos.
O relatório parte a meu ver com fundamento do
impasse em que a organização territorial do Estado se encontra neste momento e,
principalmente, dos custos e ineficiências que esse impasse está sistematicamente
a gerar, reduzindo em meu entender o produto potencial da economia portuguesa a
partir dos recursos existentes. Independentemente de estarmos de acordo ou não
com a saída da regionalização, a verdade é que desde o referendo falhado os
defensores do não à regionalização não conseguiram e nada fizeram para ultrapassar
o problema. Existe de facto um impasse na organização territorial do Estado e
estas almas, tão amigas do interesse público e da parcimónia orçamental, raciocinam
como se tais custos não existissem, nada fazendo para os minimizar e melhor
organizar o contexto administrativo em que as políticas públicas são aplicadas.
O editorial de João Vieira Pereira no Expresso
desta semana representa a crónica anunciada dos que reagem sempre à
descentralização regional com os fantasmas da fragmentação, da despesa pública
em descontrolo, do aumento do número de políticos e de clientelas. O Expresso representa
de facto com o seu estatuto os que eu considero ser “os merdeiros” da capital, tão
amigos do interesse público e do interesse nacional. Não é mais do que um
problema de sobrevivência que assiste a estas tomadas de posição. O
desmembramento de projetos como o do BES e o da PT e de todos os insetos que
giravam em redor de luzes tão potentes foi um rude golpe nessa gente e de certa
maneira o modelo dos não transacionáveis é a outra medalha do centralismo
lisboeta. O Expresso serve um mundo que tende a funcionar em circuito fechado. A
simples hipótese de regionalização faz tremer todo este universo.
O mais lamentável neste contexto é que este
mundo dos pretensos intérpretes do interesse nacional tem uma influência sobre
as forças políticas da governação mais que proporcional à sua dimensão. É que quer
queiramos quer não a classe política que governa olha para esta gente com profundo
respeito, pois sabe que “a sua imprensa” depende muito destes fazedores de opinião.
É verdade que são fazedores de opinião para círculos cada vez mais restritos da
população portuguesa, mas é nesse campo que a malfadada governação também se
movimenta. E ainda há a posição de Marcelo, mas isso é tema para outras conversas.
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