domingo, 4 de agosto de 2019

A CORJA, OUTRA VEZ!



(Estava escrito nos astros que mal a Comissão para a Descentralização presidida por João Cravinho apresentasse resultados e matéria para um debate público alargado viria a terreiro a corja que associa a regionalização ao fim do mundo. Estou a ver o filme, repetitivo, gasto e o absurdo é que, apesar disso, as forças políticas se encolhem face a estes pretensos intérpretes e guardiões do interesse nacional)

Ainda não acabei de ler o relatório da comissão presidida por João Cravinho, mas pelo que já li trata-se de um trabalho honesto, com uma ampla audição de um conjunto vastíssimo de personalidades, incluindo adversários declarados do tema. Aliás, outra coisa não seria de esperar tendo em conta a composição da comissão.

Como certamente terão notado, embora a composição da comissão não tivesse despertado à partida críticas de maior, houve a meio percurso a tentativa de a enlamear quando João Cravinho solicitou à Assembleia da República recursos adicionais para pagar alguns estudos complementares que o grupo inicialmente nomeado considerava imprescindíveis, designadamente em matéria legal. Como é regra, tais dislates tendem rapidamente a esbater-se e a comissão dispôs de um contexto sem ruído para concluir o seu relatório. Mas estava escrito nos astros que, mal o fantasma da regionalização, se reerguesse as mesmas vozes se levantariam, chocados com os riscos da fragmentação do país, do descontrolo da despesa pública e de mais um enxame de políticos.

O relatório parte a meu ver com fundamento do impasse em que a organização territorial do Estado se encontra neste momento e, principalmente, dos custos e ineficiências que esse impasse está sistematicamente a gerar, reduzindo em meu entender o produto potencial da economia portuguesa a partir dos recursos existentes. Independentemente de estarmos de acordo ou não com a saída da regionalização, a verdade é que desde o referendo falhado os defensores do não à regionalização não conseguiram e nada fizeram para ultrapassar o problema. Existe de facto um impasse na organização territorial do Estado e estas almas, tão amigas do interesse público e da parcimónia orçamental, raciocinam como se tais custos não existissem, nada fazendo para os minimizar e melhor organizar o contexto administrativo em que as políticas públicas são aplicadas.

O editorial de João Vieira Pereira no Expresso desta semana representa a crónica anunciada dos que reagem sempre à descentralização regional com os fantasmas da fragmentação, da despesa pública em descontrolo, do aumento do número de políticos e de clientelas. O Expresso representa de facto com o seu estatuto os que eu considero ser “os merdeiros” da capital, tão amigos do interesse público e do interesse nacional. Não é mais do que um problema de sobrevivência que assiste a estas tomadas de posição. O desmembramento de projetos como o do BES e o da PT e de todos os insetos que giravam em redor de luzes tão potentes foi um rude golpe nessa gente e de certa maneira o modelo dos não transacionáveis é a outra medalha do centralismo lisboeta. O Expresso serve um mundo que tende a funcionar em circuito fechado. A simples hipótese de regionalização faz tremer todo este universo.

O mais lamentável neste contexto é que este mundo dos pretensos intérpretes do interesse nacional tem uma influência sobre as forças políticas da governação mais que proporcional à sua dimensão. É que quer queiramos quer não a classe política que governa olha para esta gente com profundo respeito, pois sabe que “a sua imprensa” depende muito destes fazedores de opinião. É verdade que são fazedores de opinião para círculos cada vez mais restritos da população portuguesa, mas é nesse campo que a malfadada governação também se movimenta. E ainda há a posição de Marcelo, mas isso é tema para outras conversas.

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