segunda-feira, 5 de agosto de 2019

OÁSIS



(Moledo e Seixas estão no ponto. Temperatura amena, vento a não transpor o limiar da incomodidade, a gastronomia da D- Rosinha na Gaivota cada vez mais fiável, as tias queques da Foz e de Lisboa ainda a pairar pelos Algarves, tempo para usufruir da casa de Seixas da qual as contingências da vida me têm afastado mais do que o esperado. Tempo para leituras diversas e sobretudo o gozo particular de um ritmo de vida mais saudável.)

Moledo e Caminha beneficiam, paradoxalmente, por agora de um declínio de procura que torna tudo mais fácil, situando a população volante em limiares mais compatíveis com as infraestruturas existentes. Os “habitués” já estão por cá e isso ainda que não pareça faz parte da sensação de fazer parte de uma tradição. O Rui Feijó iniciou há pouco residência permanente em Moledo, na sua nova casa, renovada de um edifício já existente. O Manuel Matos e o Jorge Pinho de Sousa do INESC TEC já pairam pela praia e imediações e já fazem parte do “povoado”. Outros rostos conhecidos já se passeiam por aqui, reconheço-os, embora não faça a menor ideia da sua identidade, mas é agradável regressar às identidades do lazer.

Ontem, fiz seis quilómetros a pé de casa à praia e pergunto-me por que raio de razão no dia-a-dia de todos os dias me falta força de vontade para o fazer com mais regularidade, respondendo às exigências médicas de fazer descer o nível da glicémia para níveis mais compatíveis com os padrões recomendados. Vou certamente repetir e merece destaque a nova ecovia entre a praia de Moledo e Vila Praia de Âncora, a infraestrutura certa para andar a pé ou de bicicleta com os olhos grudados numa paisagem ímpar com o mar, Santa Tecla e a Ínsua a disputarem a primazia do olhar.

A ideia de oásis, extensiva a um ocidente em que democracia não é palavra vã, veio-me à cabeça depois de ler hoje de manhã uma reportagem do El País Semanal sobre o vale de S. Joaquim na Califórnia, em que o potencial de exportação americano de tudo que é tomate, amêndoa, vinho, frutas diversas e legumes se alimenta de cerca de 90% de mexicanos ilegais que cruzam a fronteira (cada vez menos ao contrário do que as fake news de Trump nos sugerem). A reportagem é brutal sobre as condições a que a agricultura intensiva está a submeter aquele solo, com o ar preenchido de pesticidas e temperaturas insuportáveis. Mas é também brutal pelos atentados despudorados à democracia que são no dia-a-dia perpetrados pelos serviços americanos de controlo da imigração legal e que me faz pensar como é triste não termos Roberto Bolaño vivo para denunciar com a sua pena mortífera estes atentados ao mais vulgar sentimento de humanidade.

Não posso também deixar de pensar no quantum de irracionalidade que é permitir o avanço da agricultura extensiva no Alentejo da área de influência do Alqueva, só viável com as empresas de mão-de-obra de Hong-Kong e outras paragens a trazer nepaleses e outras nacionalidades em massa para vir cumprir, sabe-se lá em que condições, a safra da colheita.

E, obviamente, pensar como o respeito mais elementar pela democracia e suas regras de humanidade vai criando oásis num mundo devastado pela destruição massiva desses valores.

Sem comentários:

Enviar um comentário