(Embora comparativamente com outros escritos de maior fôlego
se trate de reflexões menores, o Diário de Vasco Pulido Valente no Público
continua a representar um olhar imperdível sobre o país profundo. Depressivo, pessimista, pode ser, mas são reflexões
que não devemos ignorar se pretendermos recolher e sistematizar o que se vai
dizendo sobre o tempo longo do país)
VPV não pretende enganar ninguém. Continua fiel ao “seu” (aquele que
investigou mais profundamente) passado histórico português, ao seu pessimismo
depressivo sobre as maleitas estruturais do país, vertendo aqui e ali uma ponta
de maior veneno, de maior ou menor elitismo. São escritos contextualizáveis com
facilidade, até porque nesta fase da sua vida dificilmente lhe poderemos
associar uma agenda oculta que vicie a interpretação do que escreve.
Sou dos que aprendi a fazer essa contextualização e a ganhar a distância
necessária ao estilo da personagem. Mas tenho de reconhecer que se pretendermos
reconstruir o modo como as interpretações do tempo longo português têm evoluído
teremos de integrar nessa síntese a perspetiva azeda e amarga de VPV.
Do Diário desta semana retenho a referência correspondente ao dia 28 de
julho (link aqui):
“As televisões têm dedicado grande parte do seu tempo a
discutir o mercado de transferências. O futebol português precisa para
subsistir de vender jogadores, o que é uma bela metáfora do país. Hoje vendemos
jogadores; amanhã venderemos físicos, biólogos, economistas ou engenheiros de
sistemas. A nossa pobreza já nos levava a vender tudo: as praias e a cozinha. Era
inevitável que acabássemos a vender pessoas”.
A metáfora das transferências do futebol é poderosa.
E, de facto, pode ser considerada uma metáfora do país na medida em que ela se
organiza em torno dos desafios gigantescos que se colocam a Portugal do ponto
de vista da melhoria de qualificações, sobretudo superiores e avançadas, que
temos vindo a construir. Há quem tenha dificuldade em compreender que a melhoria
de qualificações que o país tem desenvolvido não é sinónimo imediato e sem
problemas de empregabilidade. Durante alguns períodos da nossa história recente,
foi a administração pública o destino de uma percentagem muito significativa de
jovens licenciados. Mas a renovação etária da administração pública não é tarefa
fácil, atendendo a que as contas públicas estão sob vigilância e também ao problema
de que a distribuição de recursos humanos da administração pública está longe
de ser a mais equilibrada. Conhecemos as reservas e resistência a uma alocação
territorialmente mais equilibrada de recursos humanos nas administrações do
Estado.
Quer isto significar que a parte de leão da
melhoria de qualificações terá de se entender com o setor empresarial privado, mesmo
admitindo que o chamado terceiro setor e o social em particular esteja a cumprir
uma função muito relevante na absorção de melhores qualificações. Ora, a relação
da melhoria de qualificações com o setor empresarial privado enfrenta um fator
de mediação que é crucial, o das remunerações salariais. E aqui, embora possam apresentar-se
exemplos em que esse problema não existe, já que algumas atividades pagam acima
da remuneração contratual dada pelo mercado. Há dias, em diálogo com um colega
de trabalho acerca de matérias relacionadas com o Alentejo, fazia-se referência
aos baixos salários que o setor do turismo paga neste momento nessa região. A título
ilustrativo, falava-me de uma técnica que trabalhava no setor e que trocou com
vantagem a sua posição pela de caixa numa grande superfície. É problemático
fazer destes exemplos prova de tendências mais vastas. Mas o setor do turismo pela
sua emergência e peso na nova afetação de recursos da economia portuguesa acaba
por ter uma enorme influência na fixação dos níveis de salário médio.
Pelas implicações dinâmicas que acarreta, a evolução
da estrutura salarial na economia portuguesa representa talvez o seu maior desafio,
até numa perspetiva de retorno do avultado investimento que tem sido realizado
em capital humano.
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