sexta-feira, 9 de agosto de 2019

A GREVE



(A poucos quilómetros da Espanha galega e onde gastronomia inimitável e enchimento do depósito é combinação natural e quase quotidiana, a greve dos combustíveis não tem para mim o impacto que teria se estivesse localizado por estes dias no Porto, apesar das deslocações a essa mesma cidade por motivos familiares. O conforto do contexto não me inibe de refletir sobre as inúmeras questões que o afrontamento entre o sindicato dos motoristas que transportam matérias perigosas e a ANTRAM suscita.)

A incomodidade que esta greve acarreta não tem um impacto homogéneo no território nacional e cabe-me neste caso reconhecê-lo com vantagem. A Espanha galega é aqui ao pé e o transfronteiriço é neste caso uma dimensão de conforto e segurança.

Mas a greve dos motoristas que transportam matérias perigosas anuncia grandes mudanças no sindicalismo contemporâneo, cavando ainda mais fundo a queda do sindicalismo mais tradicional, seja ele organizado a partir da influência da CGTP e do PCP, seja ele mesmo afiliado com a UGT. O traço mais marcante desta mudança é a quase nula perspetiva política com que tal sindicalismo é conduzido, o que não é coisa pouca na formação dos processos que conduzem a este tipo de greves mais extremas. Para além da figura mais ou menos sinistra do advogado que representa e, na prática, comanda a estratégia deste peculiar sindicato, a greve em causa perdeu irreversivelmente a compreensão da opinião pública a partir do momento em que ficou publicamente claro que ela estava a ser conduzida como aproveitamento estrito e de última instância do momento eleitoral. Mas, além disso, a estratégia do sindicato é totalmente errática, sendo difícil ao cidadão que precisa do combustível para o seu trabalho compreender uma greve que versa sobre acordos a prazo, quando a negociação do curto estava já plenamente assegurada. Parece-me ainda que a direção da ANTRAN já não coincide com a perspetiva recuada e passadista com que alguns empresários dos transportes ainda encaram a relação salarial, o que também contribui para a total impopularidade da greve.

Como se previa e justificava o Governo partiu para o problema com uma visão mais musculada do que a assumida na última greve e, se mantiver o tom de firmeza que tem enunciado ganhará inequivocamente a opinião pública, ganhando de barato mais uma alavanca eleitoral, sobretudo em tempos em que o verão tem evoluído ameno.

Mas o que parece evidente neste caso e que alguma esquerda se recusa a entender, há domínios da atividade pública e coletiva em que os Governos estão obrigados a ponderar o respeito pelo direito constitucional à greve e também a preservação do interesse coletivo e do bem-estar público. Pela sua influência estratégica em praticamente todos os setores de atividade, os combustíveis representam um setor em que a proteção dos direitos dos trabalhadores tem de ser combinada com a defesa do bem público, sobretudo quando não está em causa qualquer manifestação lesiva de direitos básicos desses mesmos trabalhadores. Pode Pacheco Pereira bem espingardear com as suas ressalvas de que o direito à greve estará a ser comprometido que neste caso não tem razão, pois esta é uma das situações em que esse direito tem de ser confrontado com outros direitos constitucionais.

Isto não significa como é óbvio que, no calor da refrega, não possa haver algum descuido ou intervenção errada de alguma autoridade que possa virar as coisas em sentido contrário. Por isso, ou em plenários de trabalhos há este sábado um recuo tático ou poderemos ter períodos prolongados de resistência, com aumento de tensão que é sempre uma situação de efeitos indeterminados.

Notas à margem

Tenho nestas férias me imposto a obrigação de andar um número considerável de quilómetros. Nas minhas andanças por Seixas e pelo seu interior é fácil confirmar o volume elevado de capital residencial que se encontra à venda e contam-se pelos dedos os novos projetos imobiliários. Além de que algumas belas peças do capital residencial desta zona já viverem melhores tempos e revelam significativos sinais de ruína, descuido, incúria ou simplesmente falta de graveto ou de interesse. Quer isto significar que esta parcela do Alto Minho já viveu melhores dias em termos de atratividade residencial mesmo que a nível de segunda residência. Há por aí muito autarca que pensa que a atração da segunda residência não é a praia das suas ambições e que pensa que essa gente se safa por si, não exigindo atenção especial. Engana-se e a economia local rapidamente lhes mostrará que essa é uma posição errada e de vistas curtas. O Alto Minho é uma sub-região em que a sua posição de competitividade enfrenta a ameaça do declínio demográfico. Ou seja, o Alto Minho começa a partilhar algumas características económicas da aglomeração metropolitana e da extensão industrial do Ave-Cávado, mas em termos demográficos nem por sombras está próximo desses territórios. A atração de residentes deve por isso constituir uma prioridade da intervenção pública, o que obviamente não implica nem desconsiderar nem desproteger os já residentes e nativos.

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