Nunca pensei descer tão baixo no meu sentimento antimilitarista, mas confesso que a evolução do dossiê das eleições presidenciais (previstas para janeiro de 2026, i.e., dentro de pouco mais de um ano) me conduz a considerar que o almirante Henrique Gouveia e Melo poderá ser com algum merecimento o próximo Presidente da República Portuguesa. E se o considero num quadro de algum merecimento é porque, pela positiva, tudo tem feito competentemente (incluindo a gestão dos silêncios) para que a imagem que granjeou aquando do processo de vacinação da Covid-19 se mantenha viva junto da maioria dos portugueses, mas é também porque, e pela negativa, a classe política propriamente dita tudo tem feito incompetentemente para que as suas hipóteses de terem um seu representante bem posicionado (à esquerda ou à direita) vão sendo crescentemente reduzidas.
O exemplo mais manifesto é o de Luís Marques Mendes, um homem que há anos desperdiça as suas noites dominicais a tentar mostrar aos eleitores que ele é que deveria ser o sucessor de Marcelo. O estilo rococó (“é um gosto”) e de campeão das ideias feitas (a última que lhe surgiu foi a de sustentar que o próximo PR terá de ser, sobretudo, “um construtor de pontes”, leia-se ele próprio), adicionado à ridícula intenção de se mostrar o mais bem informado da sua rua sobre os temas governativos ou partidários e à vulgaridade quase parola das suas notas finais e propostas de livros, não ajudam a que o campo do PSD possa encontrar nele (como Montenegro desejaria) um candidato afirmativo e programático. Dir-me-ão que haveria Leonor Beleza (um bom nome mas que terminantemente se pôs de fora) e que há também Passos, mas este não parece para aí virado e, mesmo que o estivesse, poderia ser prejudicado por níveis de rejeição muito altos; sobre Durão e Santana, two of a kind, a muita vontade disfarçada do primeiro e a muita vontade proclamada do segundo chocam com o descrédito da “politiquice” de que são dignos arautos.
À esquerda, ou seja, na área socialista, a desgraça é ainda maior (até pelas ausências óbvias de Guterres e Costa) e as divisões imperam por razões que a razão desconhece. Centeno consta da lista sem que tenha para tal uma carreira política que o qualifique minimamente para tal, Seguro ressuscitou dez anos depois e lá vai seguindo na CNN as pisadas de Marques Mendes e Ana Gomes não teria grandes hipóteses mas já se excluiu, faltando ainda uma referência a dois outros possíveis candidatos a candidato da área (Augusto Santos Silva e António Vitorino) que não aparentam, todavia, ser objeto de mínimos de entusiasmo. Pedro Nuno Santos, que já se arrependeu de ter avançado com o nome de Seguro, estimulando naturalmente a sua decisão, vai agora penar para encontrar um presidenciável partidário: sugiro-lhe Carlos César (sempre é o presidente do partido e um seu apoiante da primeira hora, além de lhe garantir uma votação significativa nos Açores!), Francisco Assis (que já se prontificou a constar como primeiro apoiante de Seguro mas estará sempre pronto!), Alexandra Leitão (sempre seria uma mulher, e combativa!) ou um(a) outro(a) do(a)s seu(ua)s indefetíveis que seja possuidor de um cartão de cidadão indicando idade inferior a 50 anos.
Nesta infeliz conformidade – em que teremos ainda de contar com a inventividade destrutiva de André Ventura, com a nunca dispensável presença do PCP e com outros folclores (se o Bloco, o Livre e o PAN, por um lado, e a Iniciativa Liberal, por outro, insistirem em querer botar figura) –, e como bem evidencia o barómetro da Intercampus ontem publicado pelo “Correio da Manhã”, estamos mesmo à bica de assistir à chegada de um almirante a Belém, quarenta e oito anos depois de Pinheiro de Azevedo (“é só fumaça!”) não ter logrado tal desiderato, algo injustamente, contra Eanes, Otelo e Pato. Falando sério, o cenário é bastante confrangedor mas a culpa do mesmo não é realmente do almirante – que até já se vai esforçando por preencher algumas páginas dos jornais com indicações sobre o seu pensamento “centrista pragmático” e o seu posicionamento alheado do apoio dos partidos e que não tardará a ocupar as capas das revistas cor-de-rosa e as manchetes das tardes televisivas com detalhes da sua vida familiar, que até parece ter que se lhe diga numa curiosa partilha entre a mulher oficial Carol (mãe dos seus dois filhos, Ryan e Eduardo) e a nova companheira Cristina (uma diplomata com carreira feita num quadro largamente institucional e pleno de interessantes interseções pessoais).
Seja como for, ainda muito poderá acontecer até que os jogos estejam fechados. E mesmo se não creio, pessoalmente, em golpes de asa extraordinários a emergirem, a verdade é que às vezes há milagres e tramas que a vida tece...