(A cena cultural nacional, corrijo, a cena cultural da corte da capital, está em polvorosa com as declarações viperinas e desbragadas da Ministra da Cultura Dalila Rodrigues sobre o Centro Cultural de Belém, CCB, e não apenas a instituição, mas fundamentalmente atingindo com estrondo o seu antecessor na pasta, Pedro Adão e Silva. Não sei exatamente explicar o aparente ataque de fúria e de libertação de fel que a ministra da Cultura deixou transparecer. Mas quero deixar aqui a contextualização de que não conheço pessoalmente nenhum dos personagens e que tenho a convicção de que o legado de Pedro Adão e Silva foi profundamente centralista e centralizador e por isso é que eu acho que a polvorosa de que falo atrás não é bem nacional, mas claramente um assunto da Corte. As acusações de Dalila Rodrigues são gravíssimas, elas envolvem questões como compadrios, tomada de poder numa instituição, aglomerações de interesses organizados numa espécie de takeover sobre uma instituição que tudo indicava estar em franca recuperação e retoma da importância que já teve. Quero dizer também que não sou ingénuo ao ponto de pensar que a cultura é um mundo imaculado de ausência de grupos e grupinhos que se auto-protegem com energia. É verdade que a reação à decisão da Ministra de afastar a Presidente Executiva do CCB Francisca Carneiro Fernandes por parte dos trabalhadores do CCB e do meio cultural, inclusivamente europeu, foi intensa e vibrante, o que sugere em si a estranheza da decisão. Mas o ponto em que gostaria de insistir é que as declarações viperinas da Ministra não podem ficar pelos títulos dos jornais. A gravidade do que foi dito é tal que ou uma rigorosa e ampla investigação é realizada, com escrutínio o mais possível público, ou então a cultura estará entregue à bicharada e ao simples arbítrio. O ex-ministro já veio a terreiro defender-se e tem todo o direito de o fazer, porque também pode estar aqui a acontecer uma mal-sucedida tentativa de iniciar um novo ciclo cultural, em linha com a posição política do novo governo, e o lançamento de fogo de artifício para encobrir a pobreza da mudança. Não nos esqueçamos que estamos perante um governo minoritário, pelo que a arrogância de tudo mudar parece-me deslocada.)
Existem dois planos para avaliar se as declarações da ministra Dalila Rodrigues são ou não fundamentadas: uma auditoria jurídica é necessária para verificar se a gestão de Francisca Carneiro Fernandes correspondeu aos ditames orientadores da política pública; mas isso não será suficiente. Será necessário realizar uma avaliação independente para verificar se, habilmente ou não e protegido pelo respeito pela lei, o CCB foi alvo do tal takeover de que fala a Ministra (por exemplo, o confronto necessário entre concursos e nomeações). O que impressiona negativamente nas desbragadas declarações da Ministra é não haver nenhuma alusão ou comentário ao tipo de política praticada pela anterior Comissão Executiva. Essa ausência de valoração faz antever o pior. Sugere que qualquer que tenha sido a qualidade da remontada cultural do CCB, a Ministra tinha a decisão fisgada, ou seja aquele grupo de pessoas não lhe agradava, sendo a ideia da mudança de ciclo o cenário escolhido para viabilizar a troca dos “indesejáveis”.
Repito, não ponho as minhas mãos no fogo pela pureza da gestão do CCB e continuo a achar que a cultura está polvilhada de grupos de interesses não escrutinados publicamente. Mas para um governo minoritário, embora deslumbrado pelo poder, cheira-me a arrogância excessiva.
Se esta controvérsia vier a perder-se e não gerar consequências de escrutínio público, então a cultura pertencerá também ao mundo de um faroeste acantonada na manta protetora da capital.
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