Já vão longe os tempos em que se discutia em Portugal a questão dos centros de decisão nacional. E muitos foram os analistas e comentadores económicos, os personagens políticos e os académicos que sobre o tema se debruçaram, ora com intuitos preferencialmente descritivos das tendências que se iam observando ora com objetivos mais interventivos de denúncia das mesmas e de procura de as contrariar. Recordo bem alguns textos especialmente focados naqueles registos, como alguns assinados por Ernâni Lopes, Francisco Sarsfield Cabral, Henrique Medina Carreira, João Ferreira do Amaral, João Salgueiro ou Vítor Bento, já para não referir tomadas de posição no mesmo sentido assumidas por vários liberais de limitada ortodoxia de princípios que sobressaem na nossa praça.
A verdade é que os tempos foram mudando, com a globalização a ganhar asas, o neoliberalismo a espalhar a sua verdade, a nossa estrutura económica e empresarial a perder fatores de sustentação e a classe política a correr atrás da financeirização de curto prazo. Um contexto agravado pelas crises violentas que se fizeram sentir e foram conduzindo a decisões altamente contestáveis de venda de ativos nacionais, designadamente alguns estratégicos, a acionistas estrangeiros, designadamente alguns oriundos ou representantes de países não muito recomendáveis. O certo é que a situação atingiu um estado lamentável, pese embora o facto de a maioria da nossa opinião pública especializada parecer capaz de viver bem com o mesmo e de a larga maioria dos cidadãos nacionais se mostrar bem mais aturdida com a dureza do seu quotidiano do que aberta a avaliar as inaceitáveis perplexidades que emanam do domínio político-económico.
Vem toda esta conversa a propósito de uma peça de investigação jornalística que encontrei na “Sábado”, com assinatura de Ana Taborda e Bruno Faria Lopes, dirigida a evidenciar “o desaparecimento (quase) total dos centros de decisão nacional” (“O Poder Estrangeiro que Dominou Portugal”). Um apanhado notável e que nos ajuda a avivar a memória sobre a quantidade e diversidade de operações polémicas ou indevidas que por cá ocorreram nas últimas duas décadas – remeto os leitores para as duas infografias abaixo reproduzidas com a devida vénia, numa subdivisão entre a área financeira (sobretudo banca e seguros) – onde já só resta com significância a Caixa Geral de Depósitos (longa vida a Paulo Macedo!) – e as áreas não financeiras (energia, infraestruturas, saúde, telecomunicações e indústria) – onde as tropelias foram mais do que muitas, com particular destaque para a EDP e a REN, a PT, a CIMPOR ou a ANA.
É óbvio não caber neste espaço um desenvolvimento dedicado a cada um destes casos, frequentemente rocambolescos, nem um qualquer arremedo de debate, necessariamente abreviado, sobre a essência da dita questão dos centros de decisão nacional. Fica apenas o tal avivar de memória que a “Sábado” nos trouxe e o implícito protesto que ele me suscita, na convicção de que outros caminhos teriam sido possíveis (mesmo não desconhecendo as determinantes provenientes das vicissitudes das conjunturas ou do respeito de obrigações internacionais) e de quão revoltante é constatarmos o prevalecimento de realidades aproveitadas em detrimento do coletivo e/ou percecionarmos a dimensão da destruição de valor nacional que alegremente nos tem dominado.
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