(Pela própria pena do autor, chegou-me a informação de que Paul Krugman vai deixar de assinar a sua crónica de opinião regular no New York Times, o que não significará obviamente que vá deixar de escrever e prosseguir a sua tarefa de divulgação da economia a públicos mais vastos do que os que giram em torno da academia. Não é possível ignorar o facto de Krugman escrever há cerca de 25 anos naquele representativo jornal americano, que já é o NYT de outros tempos, mas que continua a ser um refúgio de eleição para se ir além da espuma dos dias e reconhecer a riqueza do debate americano. O NYT não será o mesmo depois de Krugman deixar de assinar a sua crónica. Juntamente com o sempre persistente Bradford Delong responsável por um dos substacks pagos por assinatura mais representativos e pujantes e Mark Thoma, já retirado e que deixou por isso de pontuar no seu espantoso blogue The Economist’s View, Krugman elevou no NYT a difusão das ideias económicas a um nível de qualidade notável. Abandonando a postura de Nobel agraciado que deixa de comunicar com os seus leitores ao nível da publicação de ideias que não apenas ao nível de artigos científicos, Krugman sempre foi um polemista de grande profundidade, combatendo sobretudo a formação de ideias políticas com base em interpretações falseadas da economia. A ele se deve uma das mais contundentes e devastadoras críticas das teses da austeridade erradamente impostas às economias europeias do sul. É por tudo isto enorme a expectativa quanto a de conhecer os canais através dos quais continuará a disseminar as condições para um debate das ideias económicas mais amplo e democrático.)
Krugman tem sido objeto frequente de dois tipos de críticas, ambas em meu entender desajustadas. Por um lado, economistas mais ortodoxos e receosos de animar certos debates acusam-no de um mediatismo demasiado politizado, como se um Nobel de Economia e cronista tivesse necessariamente de abdicar de expressar as suas ideias, por receio de contaminação política nos seus argumentos. Por outro lado, economistas que rejeitam a excessiva matematização da ciência económica e fortemente críticos dos pressupostos da economia do equilíbrio geral, por exemplo Lars P. Syll, também autor de um dos blogues económicos mais lidos, acusam Krugman de não rejeitar suficientemente o formalismo económico.
Ignorar que a ciência económica é necessariamente plural e que os conflitos entre paradigmas fazem parte da evolução natural do pensamento económico não só é tonto, como equivale a projetar a economia num universo de sonho que não existe. Se a luta natural entre os paradigmas em conflito é por vezes falseada, pouco democrática e frequentemente minada por relações de poder para cuja reprodução o ambiente académico está predestinado, ignorar que a conflitualidade faz parte da própria evolução da ciência económica é o primeiro passo para não compreender a especificidade do pensamento económico.
Nos últimos tempos, sempre com foco na economia americana, Krugman desenvolveu uma luta sem quartel aos apoiantes de Trump que construíram uma narrativa falsa do estado da economia americana e sobretudo da inflação gerada após a pandemia e guerra da Ucrânia. O trabalho de Krugman em torno de diversos índices de preços tem sido notável para mostrar quantas interpretações erradas da inflação pode a utilização de um índice de preços não pertinente gerar. Considero notável que um Nobel da Economia trabalhe coisas comezinhas e aparentemente fúteis como os índices de preços para demonstrar a força dos seus argumentos e críticas do pensamento dominante. É uma prova de humildade que todo o jovem economista deveria reconhecer e com ela aprender. Existe espaço para o formalismo matemático, obviamente. Mas perder de vista o valor e consistência das evidências equivale a dar o primeiro passo em direção da irrelevância.
Paul Krugman nunca será um economista irrelevante, escreva onde escrever. A assinatura digital do New York Times ficará mais pobre é certo, mas não acredito que a propensão para o debate abandone o economista americano. Estaremos atentos.
Para a história deste blogue, fica a última coluna publicada por Krugman no NYT.
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