(Uma grande parte da intelectualidade nacional que começou mais tarde a interessar-se pela cultura anglo-saxónica, sobretudo nos domínios da economia e da ciência política, teve no berço da cultura francesa a sua grande fonte de inspiração para consolidar um pensamento coerente sobre a Europa e sobre a sociedade portuguesa. Basta estar atento ao que foi o exílio político no antigo regime para compreender essa influência decisiva. Mário Soares talvez tenha protagonizado a experiência de maior proximidade à cultura francesa, mas talvez tenha sido o intelectual Eduardo Lourenço o exemplo mais sólido dessa proximidade, leitor de Portuguesa numa deliciosa pequena cidade do sul de França, Vence. Não por acaso, é nos escritos de Eduardo Lourenço que podemos encontrar os mais lúcidos avisos e demonstrações do declínio francês no mundo, não do ponto de vista apenas dos territórios sobre os quais exerce a sua influência, mas sobretudo do ponto de vista do poder das ideias civilizacionais que brota do pensamento francês. Com a saída do Reino Unido da União Europeia, as encruzilhadas em que a Alemanha está mergulhada desde a saída de cena de Angela Merkel, e não será por acaso que ela publica agora as suas volumosas memórias, uma boa prenda de Natal, mas também um presente envenenado a quem a oferecermos dada a sua dimensão, restaria a França para imprimir alguma marca de articulação entre o passado e o futuro. Porém, pouco ou nada de inspirador poderemos esperar da França política e cultural, até porque o ambicioso Macron tem conduzido politicamente a França a um beco sem saída, despois de prometer muito e concretizado pouco. Seria pouco rigoroso da minha parte não considerar que as derivas de Macron estão no reverso da tragédia da esquerda. O Partido Socialista continua a agonizar e a França Insubmissa não tem conseguido transpor o seu radicalismo para uma ação política consequente, capaz de transformar o exercício do poder pela sua parte em algo de credível e viável. Neste caldo turbulento, chegamos ao paradoxo da Frente Nacional de Le Pen poder transformar-se no fiel da balança da viabilidade política em França. E estamos feitos e aviados. E a Europa que se cuide.)
Ora, apesar do descalabro político de Macron e suas alianças que, a par das encruzilhadas alemãs, corre o risco de transformar o chamado eixo Paris-Berlim numa figura abstrata de geopolítica europeia, espanta e até doi como uma civilização que nos trouxe pensamentos como o de Montaigne, Alexis de Tocqueville, Voltaire, Rousseau, Lévy Strauss (fundamental nas suas descobertas anti-etnocêntricas), Morin e muitos mais está reduzida a uma irrelevância de inspiração no mínimo chocante.
Com o descalabro e fraco poder de impulso de eixos motores da União, somos devolvidos à irredutibilidade da diversidade cultural. Nas palavras de Eduardo Lourenço, refletindo sobre o declínio da própria língua francesa: “(…)no que diz respeito à língua, a França conhece uma espécie de obscuridade, que para a minha geração parece um verdadeiro mistério, por um lado, e de, que é hoje algum modo um desastre: que o francês seja hoje uma língua subalterna e em última análise menos importante que a língua do nosso pequeno Portugal, que é hoje uma língua que tem uma radiação universal superior à famosa , maravilhosa língua de Voltaire e de Montaigne. Na verdade, a Europa é difícil de fazer sobretudo por uma razão simples: é que a Europa não precisa de ser feita. No fundo há Europa a mais. Cada país europeu, cada nação europeia é uma maneira de ser Europa”(1).
Por isso, estamos reconduzidos à inevitabilidade da diversidade cultural como fator agregador e identitário, por mais paradoxal e estranho isso nos possa parecer.
(1) Eduardo Lourenço, Pequena Meditação Europeia – a propósito de Guimarães, Verbo, 2011
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