In Adam Tooze, Chartbook
(Neste período em que praticamente toda a comunicação social nos metralha com sínteses do melhor e pior de 2024, a angústia criativa do blogger é manifesta, pois não tem registos e memória para análises retrospetivas tão profundas e exaustivas como as que o jornalismo profissional nos oferece, algumas de grande qualidade e até originalidade. O que está ao alcance deste modesto blogger é algo de menos ambicioso, são sínteses impressivas do modo como as suas próprias reflexões sobre o que o rodeia, nacional e internacionalmente. Nada mais do que isso. No plano político, 2024 foi um ano terrível de adensamento de preocupações quanto ao futuro da democracia, principalmente se a projetarmos no período longo da história da humanidade. Creio que o Daniel Oliveira é o comentador político que mais tem refletido sobre esta nuvem negra que paira sobre nós e que pode caracterizar-se pela conclusão de que a democracia corre o risco de se transformar num período de incidência minúscula, a exceção e não a regra da evolução do tempo longo político. 2024 viu acentuar-se a combinação estranha do autoritarismo político e da aposta libertária no mercado sem entraves ou regulações e a aliança Trump-Musk e seus múltiplos avatares representam simbolicamente essa estranha aliança. Trata-se de matéria abundantemente analisada neste blogue em 2024, pelo que escolherei outro ângulo de visão para fechar este ano. Analisando as visualizações que os nossos posts suscitam percebe-se que os temas da economia são os que menos atraem a família de leitores, o que não deixa de ser uma frustração, pois são os textos que exigem mais pesquisa e maior aprofundamento de análise. Por mais economistas heterodoxos e interdisciplinares que os autores deste blogue se considerem, a verdade é que não deixam de ser economistas por isso. Daí que vá fechar o ano com uma pequena reflexão sobre os rumos assumidos pela economia mundial em 2024, desculpando-me antecipadamente por não ser provavelmente um tema do agrado dominante dos mais resistentes leitores deste blogue.)
Nesta linha de raciocínio, é impensável dissociar os rumos sugeridos para a economia mundial em 2024, claramente ancorados em dinâmicas de anos anteriores e que só observadores muito distraídos ou limitados nas suas perspetivas puderam ignorar, do papel determinante da China na organização tendencial dos fatores dinâmicos da economia mundial em favor do continente asiático. A emergência do poder económico asiático não significa que mesmo dentro dessa área de influência não assistamos a decisivas reorientações do comércio internacional. O melhor exemplo desta evidência é a perda de posição japonesa na indústria automóvel e componentes associadas. É nesse contexto que devemos entender a criação da gigantesca parceria entre a Nissan e a Honda que tudo leva a crer integrará também a Mitsubishi Motors. Na verdade, a perda japonesa é dupla: o poderio automóvel japonês está a ser derrotado pela emergência generalizada da produção automóvel chinesa (devido ao surto do elétrico), mas a sua quota de mercado nos EUA está também a sofrer uma significativa diminuição.
Apesar dos principais conglomerados high-tech terem a origem do seu capital nos EUA, a generalidade dos observadores e analistas do mundo tecnológico reconhece, paradoxalmente, que a China é a potência mundial que melhor terá compreendido o “momento” da mutação tecnológica atual, garantindo-lhe essa perceção uma certa supremacia no que respeita às tecnologias elétricas. Citado por Noah Smith, a quem recorro regularmente para acompanhar estas matérias, Tanner Greer situa o impulse tecnológico chinês essencialmente em três ideias: (i) o poder tecnológico e científico constitui o principal elemento crítico da riqueza nacional e do crescimento económico; (ii) os avanços no poder tecnológico e científico não ocorrem uniformemente, antes acontecem com saltos e limites, gerando-se uma evolução desproporcionado da riqueza e do poder, favorecendo os que avançam primeiro; (iii) a terceira ideia e talvez a mais importante é que estamos no coração dos primeiros passos da nova onda de revolução tecnocientífica.
Este conjunto de tecnologias de que estamos a falar integram a modificação genética e a biologia sintética, a energia solar, as baterias, os motores elétricos e a inteligência artificial. O que a evidência disponível nos mostra é a superioridade evolutiva da China neste campo tecnológico das tecnologias elétricas, dominando inclusivamente a transformação produtiva destas tecnologias.
É este contexto que explica, apesar dos problemas internos que a transição económica chinesa apresenta, a aparente bonomia, não diria indiferença, mas quase, com que as autoridades chinesas têm reagido à guerra comercial que Trump tem anunciado para contrariar o poderio tecnológico chinês. Sabemos que a transição demográfica da sociedade chinesa e a crise generalizada do seu setor imobiliário vieram trazer ao modelo económico chinês constrangimentos não corretamente antecipados pelas autoridades chinesas. Sabemos também que o comportamento da produtividade do trabalho na economia chinesa está longe de proporcionar condições adequadas de dinamismo e libertação de recursos. Estima-se que a produtividade total dos fatores da economia chinesa, a que mede a eficiência global das economias, tem evoluído desde 2011 com valores nulos ou negativos de crescimento, sugerindo um problema efetivo de transição.
Mas apesar de tudo isto, a reação das autoridades chinesas às ameaças de guerra comercial, essencialmente conduzida com base no aumento de direitos aduaneiros à importação de produtos finais e intermédios chineses tem sido de grande prudência, avançando, sabiamente em meu entender, que uma guerra comercial dessa natureza não será benéfica para a economia mundial como um todo. A justificação para essa aparente bonomia e efetiva prudência de reação está a meu ver na perceção que os chineses têm de que estão no comando da revolução tecnológica elétrica.
Aliás, é isso que explica o gráfico que abre este post, o qual compara os ritmos de evolução das exportações e importações chinesas em termos reais. Como a China tem exportado a preços decrescentes (caso exemplar dos veículos elétricos), pelo que o valor das suas exportações em volume tem crescido bastante mais do que o seu valor em dólares. O que é surpreendente é a descida em volume das importações chinesas. Este comportamento pode ter várias interpretações possíveis, mas em meu entender é bem provável que funcione aqui a maior autonomia tecnológica chinesa. Exemplo: a China não domina apenas a questão da exportação de viaturas elétricas, domina também a das baterias. Ou seja, é mais autónoma na cadeia de valor e nos produtos intermédios necessários à produção de tecnologias elétricas.
Para a estabilidade da economia mundial, não é saudável quando uma economia de grande dimensão acumula excedentes comerciais permanentes. O mercantilismo aplicado à economia mundial é sempre fator de crispação política. Quando uma economia de grande dimensão gera excedentes, outras terão de incorrer em défices comerciais e, como sabemos, nem todas estarão em condições de sanar esses défices, como os EUA, com a atração de capital induzida pela reserva de valor da sua moeda.
Por isso, entendo que o mundo ocidental, Europa e EUA, deve pensar melhor a sua estratégia de abordagem à superioridade tecnológica chinesa. Andar longo tempo distraído com as evidências á frente do seu nariz já foi mau e imprevidente. Pensar mal a abordagem ao problema ainda será pior.
Nota final
Feliz e esperançoso ano para todos os leitores e Amigos deste blogue.
Alguém próximo me fez chegar a mensagem de que o ano de 45 ao quadrado = 2025 é considerado como o ano-quadrado perfeito. Ele é também igual ao quadrado da soma de todos os algarismos do sistema de numeração decimal de 0 a 9. É também igual ao somatório dos cubos de todos os algarismos do sistema de numeração decimal. Diz-me a mesma fonte que o último ano-quadrado perfeito aconteceu em 1936 e que o próximo só acontecerá em 2116.
Por isso, citando a minha fonte, Feliz e Esperançoso ano de 45 ao quadrado.
E esta?
Sem comentários:
Enviar um comentário