quinta-feira, 5 de dezembro de 2024

A ENGENHARIA DOS PONTAPÉS DE CANTO

 

(Não, não se trata de nenhuma metáfora de trazer por casa para aplicar à política nacional. Desviar para canto é uma prática muito nossa e, às vezes, o desconcerto das situações é tão grande e visível que só apetece “desviar para canto”. Não, hoje, é mesmo de futebol que me apetece falar, principalmente depois de ontem ao fim da tarde ter demorado duas horas e um quarto a chegar de Matosinhos a casa. Um verdadeiro inferno determinado sobretudo pela nossa costumeira incompetência em resolver acidentes de envergadura na autoestrada e neste caso tratou-se, estimo eu, de um choque entre camiões de grande dimensão. O engarrafamento estendeu-se a toda a Avenida da Boavista e daí o inferno para chegar a casa. Nessas condições, furioso com toda esta incompetência e ausência de meios de intervenção rápida, questão que os senhores Presidentes da Câmara do Porto e de Vila Nova de Gaia deveriam preocupar-se e não apenas nas suas carreiras pessoais de gente política em fim de mandato, só o futebol me acalma, por mais estranho e paradoxal que isso possa parecer a muita gente próxima. Além do mais, havia ao princípio da noite um Arsenal-Manchester United que eu encarei como a melhor prova dos nove para avaliar os tais milagres de Rubén Amorim no prestigiado clube britânico. A comunicação social portuguesa perde-se sempre de amores por treinadores que tenham um discurso comunicacional coerente. E não há dúvida de que Rubén o tem e estimo que essa capacidade se estende à comunicação com os seus atletas. Mas o Arsenal é, atualmente, a equipa que pratica melhor futebol na Liga inglesa, mesmo mais consistente do que o próprio Liverpool e muito à frente de um City de Guardiola que parece esgotado nas suas ideias. Assim, além de abafar as mágoas de um trânsito impróprio para pessoas decentes, havia esse pormenor de testar a tal capacidade milagreira de Amorim. E não me arrependi.)

A primeira avaliação é que o novo United de Amorim levou um amasso dos antigos, não propriamente refletido no resultado de 2-0, insuficiente para demonstrar a superioridade de jogo do Arsenal. Se é verdade que o United conseguiu em alguns momentos ter a bola no campo do adversário, sustendo a cavalgada das transições ofensivas arsenalistas, esse domínio de bola visava apenas ocultar a vulnerabilidade da equipa, em que algumas peças do plantel irão levar tempo que baste a serem letais na sua influência, conforme Amorim encontrou no Sporting alguns parceiros para executar a sua partitura de intenções.

Mas o pormenor de jogo que mais me interessou é a nova engenharia de marcação de pontapés de canto que o Arsenal de Arteta está a praticar, demonstrando com muita clareza como essa engenharia de pormenor é vital para este nível de competição. A coreografia dos cantos do Arsenal é bonita de se ver, com os seus principais aríetes a concentrarem-se numa zona da grande área para depois evoluírem aparentemente em modo aleatório, que creio ser pelo contrário muito bem treinado. Para as equipas que defendem é uma dança macabra, completada pela excelência de um lançador de cantos que os coloca com precisão milimétrica (no caso deste jogo foi flagrante a diferença entre a qualidade de Daclen Rice e dos outros nesse lançamento) no sítio certo. Qualquer estratégia de defesa corre o risco de ser desmembrada pela criatividade desta engenharia.

Qual a razão de sublinhar esta dimensão? Esta engenharia dos cantos do Arsenal é conhecida há já algum tempo e basta visualizar os últimos jogos da equipa para compreender a sua relevância na capacidade concretizadora da equipa.

Ora, Rubén Amorim é conhecido por ser um perfecionista do treino e da preparação. Certamente não teve o tempo necessário para poder contrariar tal engenharia e preparar um antídoto. Porque o que assistimos era dramático. A cada novo pontapé de canto, a insegurança da defesa do United era perfeitamente visível, isto apesar do seu jovem goleador Rasmus Højlund bloquear de forma ostensiva um dos defesas do Arsenal, neste caso o notável Saliba, entendido como o personagem mais letal no aproveitamento daquela estranha dança, duvidando mesmo da legalidade de tais bloqueios.

 Estou em crer quer Amorim não dormirá sossegado nos próximos tempos aterrorizado com aquela dança macabra. Longe de mim a intenção de precipitar o seu insucesso, mas os processos de afirmação pessoal precisam de vez em quando de banhos de realidade e a engenharia de Arteta foi um banho de realidade terrível, não tão letal como poderia ter sido porque o amasso poderia ter sido muito maior.
 

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