(Que raio de relação pode existir entre os resultados das eleições alemãs e a situação política em Portugal, a ponto de ter selecionado esse contraponto para falar da relação entre os jovens e a política? Tenho para mim que as gerações como a minha começam a sentir imensas dificuldades em compreender o comportamento do voto dos mais jovens. Se bem que para o limite inferior do escalão etário a decisão está facilitada pois é a lei que o apresenta, já para o limite superior a questão é mais complexa, onde é que paramos nos 34 anos ou nos 30 ou 25? Esta nossa incapacidade para compreender o comportamento eleitoral dos mais jovens, os que votam e não os que estão divorciados completamente da política, reflete-se na deficiente compreensão do ambiente político global. É verdade que temos sociedades envelhecidas, mas os jovens que votam podem fazer a diferença e, por vezes, sinto que não compreendemos os rumos possíveis dessa diferença. O contraponto luso-germânico para a minha reflexão é curioso, embora a sociologia eleitoral em Portugal não esteja lá muito avançada. As eleições de domingo passado na Alemanha determinaram que a esquerda comunista do Die Linke é a força política com peso mais elevado entre os jovens entre os 18 e os 24 anos – o Die Linke tem 25% de inserção nesse grupo etário, ao passo que a AfD se queda pelos 20%, mesmo assim um em cada cinco de jovens a votar na extrema-direita dá cá umas dores de cabeça e a CDU não vai além dos 13%. Por cá, uma notícia dos jornais de hoje alertou-me para o confronto – o Expresso on line anuncia-nos hoje que na iniciativa SEDES JOVEM o Almirante Gouveia e Melo esgotou a sala disponível, enquanto as sessões com Marques Mendes, António Vitorino e outros candidatos ficaram pela sala a meio gás. Ora aqui está uma boa reflexão para colocar à prova a minha capacidade de entender o comportamento eleitoral dos mais jovens.)
A recuperação de última hora do Die Linke na Alemanha que foi a votos dá que pensar, pois num ápice os comunistas conseguiram travar a irrelevância dos pouco mais do que 3% que os afastaria do Parlamento alemão (só com 5% dos votos é possível essa presença) para os colocar no nível dos quase 9% dos votos. Toda a informação disponível sobre esta recuperação junto do eleitorado alemão mostra que ela tem um rosto, Heidi Reichinnek (ver imagem a abrir este post), que alguns jornalistas designam de sucessora de Rosa Luxemburgo. Por mais exagerada que seja esta comparação histórica, a verdade é que com uma campanha de muita porta a porta em torno dos temas inflação e crise de habitação, o estilo combativo e de uma vibrante energia física de oratória e de velocidade de raciocínio, Reichinnek conquistou uma parcela de eleitorado jovem que aparentemente seria improvável alcançar dada a imagem de inércia que os comunistas alemães traziam consigo. Também é um facto que a AfD encontra o seu público mais expressivo nos territórios da ex-RDA, o que sugere que a herança histórica da reunificação é questão mal resolvida entre os alemães. No caso da recuperação do Die Linke, que anuncia no Bundestag debates intensos e calorosos, a razão parece estar na combinação entre os temas de campanha e o estilo inconfundível de Reichinnek, o que pelo menos atribui alguma racionalidade ao êxito do partido de tão má imagem junto do eleitorado jovem.
A notícia do Expresso é mais impressiva, mas poderia resumir-se assim – o candidato que se apresenta com um discurso mais anti partidos políticos terá atraído mais a atenção dos universitários jovens que aderiram à iniciativa da SEDES, esgotando o auditório da Faculdade de Direito de Lisboa, ao passo que os restantes protagonistas se terão quedado por auditório a meio gás. Esta informação vale o que vale e, obviamente, os universitários jovens atraídos pela iniciativa da SEDES estarão provavelmente longe de representar a diversidade do eleitorado jovem em Portugal.
Mas julgo haver alguma evidência de que esse eleitorado em Portugal esteja a afastar-se da onda partidária. Embora o ter deixado as aulas na FEP já há algum tempo me tenha afastado de uma maior proximidade de contacto com gente jovem, tenho procurado informalmente obter alguma evidência de contacto. Essa evidência mais impressiva mostra-me que existe hoje uma grande divisão entre os jovens que compreendem cedo que fazer vida partidária é um cartão de visita para a sua progressão e os que percebendo a perversidade dessas opções se afastam e descreem da base partidária da democracia. Alguma dessa gente dá de caras com essa perversidade na abordagem ao mercado de trabalho e ao mundo das oportunidades que aí se abrem. Esta divisão pode ter variantes de desmobilização cívica, constituindo a questão ambiental o único contraponto existente para que a participação cívica não desapareça por completo entre as gerações mais jovens.
Estamos ainda muito longe de saber se a mobilização juvenil que a candidatura de Gouveia e Melo pode vir a alcançar será ou não algo de real e de diferenciador nas contas das Presidenciais. Mas o problema existe e faz parte dos tiros nos pés que as forças políticas em Portugal têm vindo a alimentar. A candidatura do Almirante assenta em erros de interpretação perigosos, pois nos tempos que correm a desvalorização do papel das forças partidárias é algo de profundamente nefasto para a preservação e reabilitação da tão ameaçada democracia. Mas para o contrariar será também necessário que os partidos políticos compreendam o seu papel nessa preservação e a democracia começa nas suas próprias casas.
Resulta de todas estas reflexões a necessidade da sociologia eleitoral dedicar atenção mais aprofundada ao comportamento dos jovens nas mesas de voto e na participação cívica em geral. Falo obviamente em nome de uma geração que, devo confessar, muitas vezes já não compreende o que essas gerações têm para nos dizer.
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