(O estilo da nova Administração americana está claramente definido nas primeiras semanas de governação. O programa de intenções que levou Trump à vitória eleitoral tem sido em grande medida cumprido, seja na esfera económica, na da deportação de imigrantes, na diplomacia transacional ou no desmantelamento institucional de entidades que contrariem ou limitem os interesses da sua base oligárquica de apoio. Não existem surpresas de maior no chorrilho de ordens ou decretos administrativos, salvo provavelmente nos seus avanços em matéria de guerra comercial externa, na qual é por agora ainda algo nebuloso saber o que significam as moratórias estabelecidas para os direitos aduaneiros inicialmente aplicados ao México e ao Canadá e depois suspensas por 30 dias com base num discurso efabulatório, particularmente em relação a este último país. Nesta curta crónica de hoje, vou concentrar-me nas questões da guerra comercial por via da imposição de direitos aduaneiros, nas ilusões da diplomacia transacional para gerar respostas às questões da Ucrânia, onde causa dó assistir às ilusões de Zelensky de que Trump irá resolver o problema da ocupação russa e, finalmente, no regabofe implícito no regresso à predação financeira que a equipa de Trump está a consumar com a extinção da agência Consumer Financial Protection Bureau. Tudo isto nas barbas da massa eleitoral que o apoiou.)
Já na sua primeira passagem pelo poder, a aplicação de direitos aduaneiros a determinadas importações saldou-se por alguns desastres internos que penalizaram seriamente a produção americana, sobretudo pelo motivo de que a tributação de mercadorias que constituem consumos intermédios de outras produções veio onerar os custos dessa produção nacional, degradando a sua competitividade em termos contraditórios com a treta do MAGA. O argumento válvula de que os países prejudicados com os direitos aduaneiros sobre as suas exportações podem escapar a essa penalização investindo em novas fábricas nos EUA não é globalmente aplicável, mas tão só em alguns casos. Isso aconteceu no primeiro consulado de Trump com a proteção a produções americanas de indústria ambiental que veio a revelar-se um enorme falhanço, pois a superioridade competitiva das importações por exemplo de painéis solares provenientes da China arrasou essa pretensão da administração trumpiana de então.
Os direitos aduaneiros agora aplicados sobre as importações de aço e de alumínio (neste último a superioridade do Canadá é manifesta dada a sua abundância de energia hidroelétrica barata) correm o risco de ir pelo mesmo caminho de então, pois estamos a falar de consumos intermédios de outras indústrias americanas, logo de riscos de subida de custos e de perdas acrescidas de competitividade dessas indústrias.
Por conseguinte, a ideia propagandeada por Trump de que os direitos aduaneiros irão proteger o emprego americano corre o risco de se transformar num enorme flop, penalizando a sua própria base social de apoio (o chamado emprego ressentido pela perda de importância da produção americana). Sabemos que Paul Krugman não morre de amores pela nova administração e não será por acaso que, referindo-se a estes dados de guerra comercial após a suspensão da medida contra o México e Canadá, a designa por pequena (baixo peso de importações envolvidas), feia (por ausência de qualquer racionalidade) e estúpida (pelo facto de assentar em consumos intermédios de outras indústrias). A generalidade das elites económicas tem feito ressaltar estes riscos, mas Trump tem sido indiferente a esses avisos.
A dimensão transacional da diplomacia internacional é ainda mais aterradora, tanto mais que começando pela Ucrânia se criou por aí a ideia de que Trump resolveria a questão em três tempos. A ideia de transacional veio imediatamente ao de cima com a proposta da compensação dos EUA poderem explorar as chamadas terras raras em termos de minérios, que, solícito, diria eu desesperado, Zelensky terá aceite, mas rapidamente se percebeu que a Ucrânia pouco poderá esperar de tal estratégia e muito menos a reversão da ocupação russa. O responsável para a Defesa Pete Hegseth veio rapidamente em Bruxelas pôr os pontos nos is e defender curto e grosso que a Ucrânia para ter a paz irá ter de ceder território. A expectativa de Zelensky de que Trump seria a solução não é senão indicador de desespero. A quebra de expectativas ainda mais se instalou quando Trump apresentou a sua proposta transacional e imobiliária para Gaza, o que tem pelo menos a virtude de não criar ilusões quanto à nova política externa e diplomática dos EUA. Quatro anos não demoram muito tempo a passar, mas imaginar os danos que podem estar associados a esse espaço de tempo ajuda a compreender o estado a que chegámos.
Finalmente, a sanha desreguladora está aí clara como água e, neste caso por mim escolhido, abrindo uma passadeira vermelha ao regresso dos predadores financeiros que estiveram na origem e no alargamento de efeitos da Grande Recessão de 2007-2008. O mundo clamou então por mais regulação. Pois passem uma esponja por cima desse bondoso clamor. O primeiro passo está dado com a extinção do Consumer Financial Protection Bureau. O slogan pertinente é o (MPFGA) “make predatory finance great again”. Estamos conversados.
Sem comentários:
Enviar um comentário