(fonte: INE)
(Já há algum tempo que não era convidado para sessões públicas de reflexão partidária, que aliás têm sempre o inconveniente de me consumirem os meus preciosos sábados. Mas neste caso o território do Tâmega e Sousa interessa-me como problema de desenvolvimento e não é frequente a Federação distrital do PS do Porto propor-se realizar reflexões territorializadas, ainda para mais com a ambição de preparar uma ação transformadora de envergadura para um território que teima em não abandonar a cauda do pelotão das NUTS III portuguesas. Se juntar a isto o prazer de ouvir a intervenção central de Elisa Ferreira que nos traz a valiosa experiência de conhecer no terreno cerca de 100 regiões europeias, cobrindo a totalidade dos 27 está explicado o sacrifício de um precioso sábado, em Lousada, num auditório municipal repleto de gente interessada em ouvir o que os convidados da Federação tinham para dizer sobre a região e sobre o país. Não vou aqui neste post reproduzir a essência do que foi a minha intervenção pública, mas tão só desenvolver algumas ideias sobre o que penso ser a razão fundamental para que o Tâmega e Sousa, TeS, continue com um desempenho económico na cauda dos territórios NUTS III do país. É uma reflexão sobre a relação entre modelo de crescimento e desenvolvimento a nível nacional e desempenho económico sub-regional, que me é cara num contexto em que o Norte em geral tarda a ser reconhecido como fator de impulso a nível nacional. Além disso, por ter tido a oportunidade de desenvolver trabalho profissional no território do TeS, mais se justifica a vontade de contribuir para algo de útil para o futuro deste território e das mulheres e homens que nele habitam. Por fim, o Secretário-Geral Pedro Nuno Santos na sua alocução final insistiu muito na tecla de que o país tem de discutir o seu futuro, perante a anomia do atual governo claramente enredado na resolução das suas próprias tricas, com muitos tiques à mistura.)
De facto, quando se acompanha a evolução do produto per capita e da produtividade aparente do trabalho ao longo do tempo por NUTS III, impressiona a regularidade com que o TeS partilha os últimos lugares da tabela. E não apenas por se encontrar na cauda da distribuição. Também e sobretudo pelo facto de o fazer com valores muito baixos. Para os valores publicados pelo INE e referentes a 2022, o TeS ocupa o último lugar da tabela apenas com 63,5% do PIB per capita de Portugal (PT=100) e de 69,5% da produtividade aparente do trabalho de Portugal (PT=100). Embora seja curioso assinalar que o desempenho relativo do território é melhor na produtividade do que no PIB per capita, esse raciocínio passa despercebido porque os valores são de facto muito baixos. Se tivermos em conta o défice do valor de Portugal relativamente à União Europeia, conclui-se que a posição comparativa do TeS na União é desastrosa. Mas, repito, ainda mais impressionante é a regularidade com que se repetem o lugar na tabela e os valores relativos a ele associados.
Na lógica do desenvolvimento, costumamos chamar a estes fenómenos de armadilhas no baixo rendimento (low-income trap), chamando por essa a via a atenção para que a estagnação económica também se reproduz. E esse parece ser claramente o caso do TeS, mas também de outras sub-regiões como o Alto Tâmega, o Douro, Beiras e Serra da Estrela.
Não ignorando que, em termos político-administrativos, o TeS é uma invenção recente, estatisticamente construída (costumo chamar ao TeS o território da geometria variável, pois todos os municípios que o integram mantêm relações muito diversificadas no plano económico, institucional e cultural com municípios localizados noutras sub-regiões), chamei ontem a atenção para o facto de regiões com estas características serem fortemente penalizadas pelo modelo incremental de crescimento que o país tem apresentado nos últimos anos. A estrutura produtiva portuguesa que alimenta o seu potencial de exportação não tem nos últimos tempos mudanças pesadas de estrutura setorial, essas mudanças já se concretizaram há algum tempo com a entrada em cena da indústria automóvel e de algumas indústrias de equipamento. A sua evolução incremental tem sido concretizada no interior das principais fileiras de especialização, num modelo claramente estabelecido de inovação incremental e de grande aversão a mudanças fortemente disruptivas. Como é óbvio, sei perfeitamente que uma cultura de inovação disruptiva não se constrói de um momento para o outro e os casos evidentes desse tipo de inovação acabam no exterior, como empresas fortemente globais, algumas das quais unicórnios reconhecidos.
Mas se é verdade que podemos valorizar o modelo de inovação incremental como algo de adaptado ao ADN organizacional português, e muitas vezes o tenho feito, isso não significa ignorar as limitações do modelo, sobretudo do ponto de vista dos interesses de um território estagnado como o TeS. Um modelo de inovação incremental como o nosso depende fortemente do ritmo a que cresce o investimento em equipamento, tal como os contributos seminais de Bradford DeLong e Lawrence Summers nos ensinaram e que tive o prazer de divulgar nas aulas de economia do crescimento e da inovação. Quer isto significar que teremos sempre de desagregar os valores da Formação Bruta de Capital Fixo (FBCF) para deles expurgar tudo o que é investimento em construção, para nos concentrarmos no contributo do investimento em equipamento para o aumento da produtividade. Num país como Portugal, que não está na fronteira do desenvolvimento tecnológico, será sempre através do equipamento que a difusão do progresso tecnológico é realizada.
Ora, quem mais é penalizado não só pelo crescimento incremental, mas sobretudo pela anemia de crescimento do investimento em equipamento são os territórios mais necessitados de mudanças disruptivas para melhorar o seu desempenho económico. Tenha-se em conta o esforço enorme de crescimento que é exigido ao TeS para se situar em níveis similares aos do Ave e do Cávado, que se situam no intervalo dos 80% e picos do PIB per capita nacional. Incrementalmente e com baixo ritmo de crescimento do investimento em equipamento, é praticamente impossível a um território como o TeS ganhar asas na recuperação de desempenho económico em relação ao país.
Disrupção e vontade política para o consagrar em termos de investimento é algo que me parece crucial para uma transformação do TeS capaz de romper com a armadilha do baixo rendimento em que está mergulhado.
Em matéria de escolha dessas disrupções necessárias, tenho algum desacordo com a tese partidária de que o TeS justificaria uma instituição de ensino superior. Refira-se que o Instituto Politécnico do Porto, a maior e mais importante instituição politécnica do país, tem vido a desenvolver com o território do TeS alguma cooperação, que vai além da sua Escola de Tecnologia e Gestão localizada em Felgueiras. Parece-me ser essa a orientação mais pertinente. Tenho hoje muitas dívidas de que a unidade territorial NUTS III seja a mais adequada para organizar o padrão de localização das IES em Portugal, já que isso conduziria a uma dispersão (aliás já existente) excessiva para as massas críticas de conhecimento existentes no país. Por isso, a fixação disruptiva de serviços tecnológicos de apoio às empresas me parece uma luta bem mais promissora do que a da reivindicação de uma IES para o território. E para provar que estou cheio de razão não consigo entender porque o TeS não foi ainda capaz de colocar de pé o seu Centro Tecnológico da Madeira e do Mobiliário, seguindo as pisadas do têxtil e vestuário (CITEVE em Famalicão), do calçado (Centro Tecnológico do Calçado essencialmente em S. João de Madeira e com extensão em Felgueiras) e do vidro e da cerâmica (Centro Tecnológico em Coimbra).
Esta parece-me ser uma luta bem mais empolgante do que a da reivindicação de uma IES para o território. Mas obviamente não sou eu que vou a votos … os meus sábados são preciosos.
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