quarta-feira, 5 de fevereiro de 2025

O MORALISMO DO MINISTÉRIO PÚBLICO

 


(Daniel Oliveira tem carradas de razão quando interpreta objetivamente as acusações do processo Tutti Fruti, vindas ontem a público, concentradas essencialmente na área da Grande Lisboa e na área política das Juntas de Freguesia. Os nomes acusados salpicam essencialmente as hostes do PSD, mas não há propriamente nomes sonantes pelo menos ao nível do que as campanhas mediáticas do Ministério Público tinham antecipado. Isto significa, objetivamente como sublinha DO, que os nomes de Fernando Medina e de Duarte Cordeiro, este último nem sequer chegou a ser ouvido, estavam no processo para apimentar a sua mediatização. Com a sua não acusação, esse estrondo mediático cai por terra e o processo lá terá de contentar-se com o número de acusados, que não é despiciendo, e com a descrição das tramas que justificam a acusação e a ida a tribunal dos implicados. Poderá isto sugerir que não estou a conceder a devida importância a esta operação. Isso não corresponde à verdade e existem três pontos que merecem atenção particular, em torno dos quais organizo esta breve reflexão. )

O primeiro ponto acrescenta às particularidades da justiça portuguesa uma novidade que não lembraria ao careca. O Ministério Público não acusa porque não encontra fundamentos e indícios suficientes para o fazer, caso de Fernando Medina, mas dá-se ao luxo e ao requinte de criticar o comportamento do ex-Ministro e ex-Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, invocando considerações moralistas sobre o exercício de funções públicas, sabe-se lá com base em que princípios. A contradição detetada por DO é oportuna. Fernando Medina deu o sal adequado à operação para ser anunciada com estrondo mediático e como não foi acusado teve de ser zurzido publicamente para justificar o alarido. Um Ministério Público moralista é a novidade que temos, para espanto de todos.

O segundo ponto constitui provavelmente o aspeto mais positivo da operação. Ela chama a atenção, neste caso concentrada na capital, para o mundo novo dos negócios e compadrios que as juntas de freguesia com alguma dimensão poderão estar a gerar, com exigências de novo escrutínio desse universo. Esse escrutínio é crucial para que não se adultere o significado último das juntas de freguesia que reside na proximidade aos cidadãos. Veremos o que a ida a tribunal vai abrir em termos de acesso a nova informação, sobretudo a partir da defesa dos agora acusados.

O terceiro ponto é de natureza essencialmente política. Embora seja certo que a incidência do caso penaliza mais o PSD do que o PS, as consequências da operação Tutti Fruti atingem todo o sistema partidário com experiência de governação e vêm reforçar o sentimento anti-partidos instalado na sociedade portuguesa que justifica, aliás, os resultados das primeiras sondagens presidenciais que vieram a público. As pequenas trafulhices e conluios que atravessam a operação, embora desproporcionadamente insignificantes face ao estrondo mediático que o MP concedeu à operação, não fazem mais do que adensar os tiros nos pés que os partidos políticos têm praticado nos últimos tempos, fazendo assim parte do problema da degradação do sistema democrático. Isso explica e adensa a onda que se projeta no apoio a um candidato como o Almirante dos submarinos e das vacinas.

 

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