(Seguramente já deram conta que a questão dos resultados das sanções económicas contra a Rússia deixou de ser assunto com grande divulgação e análise. Várias razões podem ser apontadas para explicar esse apagamento do que chegou a ser uma bandeira do Ocidente na tentativa de punir Putin pela sua ousadia inaudita de violar o direito internacional. A tese do fracasso parcial dessas sanções não pode ser liminarmente afastada e isso pode explicar o tal apagamento. Mas também não pode ser afastada a hipótese de neste jogo do gato e do rato que as sanções económicas suscitam, ser cada vez mais difícil obter informação a partir da Rússia e tornar o exercício de cálculo dos efeitos das sanções cada vez mais uma tarefa arriscada, exigindo tantos pressupostos que os referidos exercícios correm o risco de descambar para algo de fútil e nada expressivo. Como é óbvio, não pode ignorar-se que sancionar um país tenderá a reduzir automaticamente a informação disponível. Neste contexto, o aprofundamento do conhecimento sobre os efeitos das sanções está dependente de algumas fugas inesperadas de informação, que escapem ao controlo das autoridades do Kremlin e que possam fornecer senão informação direta, pelo menos informação indireta sobre a observação dos efeitos gerados. Parece ter sido esse o caso de um relatório que o Financial Times terá lido, e o prestígio do jornal leva-nos pressupor que a notícia publicada não é imaginação jornalística, que foi discutido entre as autoridades russas e que dá conta dos efeitos das sanções na criação de dificuldades para que a Rússia possa dinamizar espaços económicos de influência por si liderados e que mitiguem o isolamento a que as sanções do Ocidente pretendem provocar.)
Em posts anteriores, com foco na geopolítica internacional, o espaço da Eurásia tem sido referido por várias vezes. Com as limitações conhecidas, a Wikipédia diz-nos que “a Eurásia é a massa formada em conjunto pelos continentes europeu e asiático, separados pela cordilheira dos Montes Urais, localizado na Rússia, pelo Rio Ural, pelo Mar Negro e pelo Mar Cáspio”. Trata-se, como é compreensível, de um vastíssimo espaço geográfico, onde estão localizados cerca de 90 países com a particularidade de existirem países como a Rússia e a Turquia com território nos dois continentes. É obviamente um espaço apetecível sobretudo pelos diferentes espaços geoeconómicos que pode abrigar.
Como o investigador Carlos Gaspar bem o assinala, a estratégia de aproximação sino-russa tendo por palco a Eurásia é uma tentativa de réplica à ofensiva americana pelo espaço do Indo-Pacífico. No tempo atual, a China é indiscutivelmente a principal potência euroasiática, não podendo a Rússia neste momento rivalizar com essa realidade. Resta-lhe a tentativa de protagonizar algumas iniciativas de mais pequena escala nesse espaço, como é, por exemplo, o ensaio da criação de uma união económica com países como a Bielorússia, Arménia, Cazaquistão e Quirguistão.
O que o já referido relatório lido pelo FT evidencia é a preocupação nele revelada de que as sanções económicas à Rússia estarão a produzir quanto à efetividade dos laços de relacionamento económico com esse grupo de países. Existem pelo menos evidências de que o impacto nesse espaço da pressão ocidental não é homogéneo – o Cazaquistão tem-se revelado menos solícito do que a Bielorússia e o Quirguistão.
Quer isto significar que os países sobre os quais a Rússia pretende aprofundar a sua influência estarão a enfrentar problemas de integração sistémica, designadamente em termos de sistemas de pagamentos internacionais. Se este impacto for efetivo, isso significa que as sanções estarão a exercer um efeito indireto a monitorizar com atenção. O isolamento económico da Rússia tem efeitos relevantes e pode aprofundar os danos sobre a sua economia, já de si fustigada pela mobilização de recursos que a guerra implica.
Obviamente que os chamados efeitos indiretos são um pau de dois bicos. Não é possível avaliar os danos reais e inibidores desses efeitos indiretos na economia russa. Mas são, pelo menos, uma fonte adicional de penalização que fora desvalorizada pelo facto de as sanções económicas ocidentais não terem despertado, por exemplo junto dos BRICS, a aprovação tão generalizada como se esperaria. De qualquer modo, para desespero dos Ucranianos, continua a ser desconhecida a dimensão real da elasticidade do regime de Putin para aguentar a degradação da sua economia enquanto prossegue o esforço de guerra. Poderemos admitir que, no plano das relações sino-russas, a Rússia estará a sacrificar no tempo longo qualquer esperança de vir a aumentar a sua influência geoeconómica no espaço da Eurásia, dada a sua dependência atual face à China. Mas isso não é consolo para os Ucranianos que continuarão a ver o seu território devastado, aumentando inexoravelmente a probabilidade de um eventual acordo de cessar-fogo ser profundamente danoso para a integridade do seu território.
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