terça-feira, 25 de fevereiro de 2025

COMO A DEMOGRAFIA ABRAÇA A POLÍTICA RADICAL

 


 (A interpretação dos resultados das eleições alemãs já tem algum capital de conhecimento, pois o crescimento da AfD não é recente e perfilava-se no horizonte já há algum tempo. As primeiras notas interpretativas incidiram nas origens do fenómeno e, como seria previsível, o facto da extrema-direita alemã ter crescido inicialmente na ex-RDA, com vitórias relevantes pelo menos em três Estados, seduziu os analistas e investigadores. A hipótese dos extremos se tocarem sempre atraiu diferentes análises – a AfD prosperou em territórios ainda com resquícios profundos da presença soviética e do seu modelo. Outras leituras apontam o foco ao que terá sido uma falhada unificação alemã, pois os níveis de desenvolvimento socioeconómico dos territórios do Leste alemão nunca se aproximaram dos observados a oeste, apesar da vasta massa de recursos comunitários e nacionais aí investida. E a chamada geografia do ressentimento teria também uma versão alemã e daria à AfD uma base de apoio em crescendo. Entre as interpretações mais recentes, há uma que despertou a minha atenção, pois mete ao barulho a questão demográfica. Em meu entender, as consequências do “inverno demográfico” europeu estão muito longe de estar compreendidas e sobretudo politicamente assumidas. Até agora têm predominado duas áreas de interesse para analistas e investigadores: as consequências do declínio demográfico no plano socioeconómico, alicerçadas sobretudo nos reflexos na força de trabalho e nos efeitos negativos sobre o crescimento económico que o declínio provoca; os efeitos sobre os sistemas nacionais de saúde, pois o envelhecimento vem acompanhado de uma enorme pressão sobre tais sistemas. Mas a demografia traz consigo também uma carga política e essa é a leitura mais recente sobre o crescimento eleitoral da AfD. Vejamos se nos traz uma leitura consistente.)

A investigação de suporte a esta nova leitura do crescimento da extrema-direita foi publicada por cinco investigadores americanos e europeus (Rafaela Dancygier, Sirus H. Dehdari, David D. Laitin, Moritz Marbach e Kåre Vernby) no American Journal of Political Science no início de 2025, num artigo já de outubro de 2023 que só agora foi publicado e que não escapou à curiosidade da jornalista e ensaísta Amanda Taub no New York Times. O artigo científico designa-se de “Emigration and Radical Right Populism” com a visão alternativa de que não apenas as questões da imigração devem ser revisitadas para compreender o advento de forças como a AfD, mas também as da emigração a terem de ser convocadas para o efeito. Os dados respeitam a 2021, mas estão na linha dos resultados observados este passado domingo.

O gráfico que abre este post analisa a correlação entre a intensidade dos saldos migratórios de saída nas regiões do Leste alemão (ex-RDA) e o crescimento eleitoral da extrema-direita. A relação que surge implícita nos números é a de que o peso do voto na AfD é claramente mais elevado nas regiões em que o saldo migratório é mais negativo (mais saídas do que chegadas). Leipzig aparece como o exemplo mais acabado de região em que o peso da AfD a leste é menor, sendo também um dos raros territórios com crescimento populacional positivo.

Subjacente a este resultado está a ideia de quem sai tende a ser mais jovem e qualificado, o que para estes territórios tende a amplificar o efeito do ressentimento: o abandono económico gera os desníveis de desenvolvimento conhecidos e por essa o ressentimento político é alimentado, mas o efeito da saída demográfica dos mais jovens e qualificados perpetua agravando esse problema.

A comparação com o comportamento demográfico das regiões ocidentais da Alemanha é claramente ilustrativa deste efeito (ver gráfico acima).

É interessante suscitar a questão de saber porque é que Leipzig escapa a leste a esta tendência e isso terá que ver com o maior desempenho económico dessa Cidade-região. Provavelmente, isso estará relacionado com a maior valia dos ativos industriais anteriores à reunificação e à sua maior capacidade de atração de investimento. O que significa que a variável demografia terá sempre de ser integrada em leituras mais amplas.

Mas há um ponto que me intriga e suscita algumas reservas analíticas. Em algumas análises políticas, apresenta-se frequentemente o argumento de que o advento da AfD se concretiza num contexto em que existe muita população jovem que já não tem memória da opressão vivida na ex-RDA, facilitando a sua adesão ao autoritarismo da AfD. Ora, essa perspetiva parece-me claramente contraditória com a tese de que é a saída dos mais jovens e qualificados que explica o peso mais elevado da extrema-direita no eleitorado. Com essa saída os territórios do Leste alemão terão um predomínio de eleitores cuja memória do autoritarismo da ex-RDA e da presença física do Muro de Berlim ainda estará viva e, apesar disso, votam AfD. Em que ficamos? Será que o ressentimento de quem fica quanto à ausência de oportunidades alimenta a perceção de que a vida na ex-RDA era afinal comparativamente melhor-sucedida do que a existente? Ou serão as perspetivas securitárias mais comuns na população envelhecida quanto à imigração as principais responsáveis pela filiação na AfD?

De qualquer modo, os cinco investigadores atrás mencionados têm razão quando percebem que o esvaziamento demográfico em busca de melhores oportunidades agrava seriamente os fatores potenciadores da entrega ao canto autoritário da sereia.

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