(À medida que os resultados das eleições alemãs de domingo passado vão passando das sondagens à boca das urnas às contagens reais algo de paradoxal se vai instalando. Observa-se algum alívio com o facto de não ter existido uma surpresa desagradável com a ascensão da AfD, que se registaria caso a proporção de um em cada cinco eleitores a votar na extrema-direita tivesse sido largamente ultrapassada. Mas, paradoxalmente, só praticamente essa mesma AfD pode ser encarada como vencedora, embora possamos pensar no contraponto dos apoios de Musk e Vance não terem impressionado por ai além o eleitorado alemão. Mas as restantes forças políticas não saem com felicidade redobrada desta contenda eleitoral. Ainda que vencedora e resistente, a CDU tem um dos seus piores resultados históricos. O SPD de Scholz desce de 26 para 16%, sendo ultrapassado pela temível AfD e se entrar numa coligação governamental entrará de mãos atadas. Os Verdes não caem tanto, mas reduzem o seu poder eleitoral, o que face à conjuntura energético-ambiental alemã não abona em seu favor. E os Liberais não têm queda menor, passando de 11% para 4,4%. Os populistas de esquerda (BSW) de Sahra Wagenknecht, não ultrapassando os 5%, parecem não ter beneficiado do seu impulso anti-imigração e pró Putin. A esquerda do Die Linke, nostálgica da RDA, pode ter respirado um pouco, mas a única razão de festejo é a sua recuperação em cima da linha de chegada.)
O novo Chanceler e conservador Friedrich Merz parte para as negociações de constituição de um novo Governo com a segurança de que só a sua resistência, mesmo que historicamente em perda comparativa com o passado, tornou possível a barragem da governação da AfD, embora com o seu peso eleitoral o ruído no Parlamento alemão da extrema-direita será bem mais incómodo do que no período anterior. Imagino que a coligação CDU-SPD-Verdes possa ser acionada ou talvez ela se estruture em torno da aliança CDU-SPD, com este último a ter de ceder bastante coisa.
Suspeito que, face aos resultados observados e ao momento de perturbação de uma nova ordem internacional instalada, a negociação vá ser bastante mais rápida do que o registado em similares operações no passado. A experiência alemã concreta deste pós-eleições será uma prefiguração do novo normal de Parlamentos com votações de extrema-direita à perna que teremos nos próximos anos.
Quanto à cura de termas políticas para o SPD talvez não seja fácil concretizá-la com êxito em contexto de governação, mas como se costuma dizer em tempos de guerra não se limpam armas e o SPD não pode deixar de sacrificar-se para ajudar a Europa nesta fase de antecipação de todos os abismos possíveis. Será fundamental conter as tentações miméticas das exigências da AfD que a CDU tenderá a enfrentar no seu interior, embora a vontade de resistência do conservador Merz me pareça sincera.
A França seguirá dentro de momentos. Até lá, Macron ensaiará a recuperação de algum protagonismo europeu, mas sempre com a situação política interna à perna, a morder com vontade os resultados das suas jogadas anteriormente falhadas.
E é neste contexto que terá de ser construída a nova Europa depois do “aliado” americano ter evoluído para cavalgadas do apocalipse.
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