(Uma neblina espessa desenha um fim de tarde a prometer chuva, envolvendo como é habitual o topo do monte de Santa Tecla, permitindo apenas visualizar o casario cada vez mais extenso que ocupa a base do monte. A elaboração de propostas metodológicas cada vez mais exigente para concursos de avaliação de políticas públicas, esta para avaliar impactos dos apoios aos CTeSP e a alunos carenciados do ensino superior do PT2020, ocupa-me cada vez mais tempo, implicando uma estratégia cada vez mais defensiva para o apoio ativo a este blogue. Mas, embora submetido a essa pressão, liberto alguns minutos para escrever alguma coisa que se aproveite sobre o que tendo a designar de não questão das presidenciais em Portugal. Existe um consenso generalizado de que, embora a última parte do segundo mandato de Marcelo Rebelo de Sousa tenha apagado parte do que de positivo a presidência de Marcelo nos trouxe, que não fosse outra coisa a rotura com o estilo de Cavaco Silva, vai ser difícil encontrar um contraponto que dignifique e valorize a função presidencial após a experiência de Marcelo. Entretanto, reina por aí um grande alarido com as primeiras sondagens sobre essas presidenciais, sobretudo a partir do momento em que o Almirante dos submarinos e das vacinas e o inenarrável Ventura que vai a todas por falta de confiança nas suas tropas surgem como potenciais candidatos a uma segunda volta das presidenciais, suplantando tudo que é candidato da área da esquerda e o próprio Marques Mendes que tudo indica será o candidato a reunir as preferências do PSD de Montenegro. Vou tentar demonstrar no meu comentário de hoje que, embora muita água vá ainda passar por debaixo das pontes, esperemos que sem galgar margens, esses resultados preliminares não me surpreendem de todo.)
Por razões várias que importa dissecar, os partidos políticos que se inscrevem no sistema democrático português têm sido sujeitos a um desgaste contínuo, ao incremento de uma desconfiança generalizada e a uma muito perigosa associação entre corrupção e vida partidária que mina inapelavelmente a aceitação que esses mesmos partidos políticos suscitam na sociedade portuguesa.
Entre as razões para esse descrédito, que é fortemente nociva para a democracia, porque esta não existe sem partidos com poder de influência e de orientação sobre os cidadãos, estão os múltiplos tiros no pé que as forças políticas têm infligido nelas próprias, com danos significativos para a sua aceitação junto da população em geral.
Comecemos pelo PS. Toda a tralha judicial que envolveu o ex-primeiro Ministro José Sócrates, da qual o partido procurou afastar-se entre os pingos da chuva mas que deixou marcas em termos de confiança junto do eleitorado, os erros gigantescos de governação do segundo executivo de António Costa, a difícil afirmação de Pedro Nuno Santos na liderança pós-António Costa e as personalidades tipo Vítor Escária que circulavam pelos corredores da governação (estamos sempre suspensos de novas surpresas tiradas de alguma gaveta ou armário) são matérias que contribuem centralmente para a perda de confiança do eleitorado no partido. Isto acontece embora algumas medidas dos governos de António Costa, como a redução dos preços da mobilidade e transportes no interior das áreas metropolitanas e os avanços na neutralidade carbónica da economia portuguesa representem, pelo contrário, fatores de densificação da confiança do eleitorado.
O PSD não está também à margem de ser responsável pela degradação da confiança da sociedade portuguesa nos partidos políticos. A difícil estabilização da sua liderança, alguma arrogância de governação para alguém que o faz em minoria no parlamento e a incapacidade de não ser influenciado pela agenda do Chega em algumas matérias têm penalizado a sua aceitação pelo eleitorado, não contribuindo assim para o contrapeso necessário aos fatores de descredibilização e de perda de confiança nos partidos democráticos.
Quanto ao Bloco de Esquerda, há muita gente que começa a estar farta do seu moralismo, estou nesse grupo, sobretudo a partir do momento em que o partido continua refém da sua incapacidade de decidir se quer ser um partido de governação ou com contributos críticos para a mesma (por exemplo na área da financeirização da economia) ou se, pelo contrário, está disposto a estiolar como partido de protesto atirando a todos os patos que surjam no ar, independentemente da sua direção de voo ou tamanho.
O PCP tem contribuído indiretamente para a referida desconfiança nos partidos políticos, seja porque em termos de massa de eleitores que arrasta está hoje limitado aos indefetíveis, seja porque a sua imagem de imobilismo interpretativo do mundo de hoje não provoca propriamente desconfiança, mas afasta os mais esclarecidos.
Finalmente, o PAN e a IL estão longe da esperança de renovação que provocaram com o seu aparecimento em cena no eleitorado. Não têm massa crítica de eleitores que permita contrapor com êxito um sentimento distinto ao da desconfiança.
Em resumo, as forças políticas democráticas têm oferecido de bandeja à comunicação social mais sensacionalista argumentos e uma multiplicidade de pretextos para que essa mesma comunicação social contribua ela própria para a desvalorização do papel das forças políticas na democracia portuguesa e no abrir de novos rumos para a sociedade portuguesa. Se juntarmos a isto a campanha determinada do Ministério Público para identificar essas forças políticas com as nuvens da corrupção, em claro conluio com essa imprensa que acusa primeiro e depois ver-se-á, não admira que as forças políticas não vivam tempos de grande influência nos rumos do país.
Ora, quando a estes fatores de base se juntam candidatos democráticos não entusiasmantes (Seguro, Vitorino, Marques Mendes, o candidato da tradição do PCP e seja lá em quem o Bloco estará a pensar) não me admira que o Almirante dos submarinos (o arrojo) e das vacinas (o poder de comando) e o Ventura do antissistema surjam à frente das intenções de voto.
Como é óbvio, o aproximar do ato eleitoral permitirá conhecer melhor a debilidade de pensamento político do Almirante e o efeito Ventura dificilmente ganhará algum elã adicional, sendo por isso de presumir que surja um candidato democrático à direita ou à esquerda com votação para ir a uma segunda volta.
Mas onde queria chegar é que não entendo o alarido em torno dos resultados das primeiras sondagens. Não me espantam porque toda a gente andou a malhar nos partidos democráticos, facilitando o caminho e o trabalho a uma comunicação social interessada na sua desvalorização e abrindo espaço obviamente aos candidatos apartidários e aos candidatos antissistema. O sistema eleitoral bebe com prazer o caldo que andou a preparar, dando tiros no pé e alinhando com o estilo sensacionalista de grande parte da comunicação social.
Por isso, não se admirem e deem isso sim corda aos sapatos para melhorar a imagem partidária junto dos potenciais eleitores.
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