Recordando o saudoso João Galamba, o que não me sai mesmo da cabeça é o facto de estarmos placidamente a testemunhar uma envolvente e inédita saga de destruição avulsa e caótica da ordem democrática internacional. De facto, já não há adjetivos que possam qualificar de forma minimamente adequada o que tem sido o exercício presidencial de Donald Trump em pouco mais de um mês.
As mais recentes malfeitorias do homem estão aí à vista: por um lado, o acordo que um acossado e impotente Zelensky se viu forçado a aceitar sobre uma indecorosa partilha dos recursos minerais do seu país – um verdadeiro ato neocolonial de que se julgava, erradamente ao que se constata, estar o mundo dos dias de hoje liberto; por outro lado, a apresentação despudorada de um vídeo procurando elucidar o seu projeto para Gaza, um obsceno exercício de ostentação de poder pessoal crivado de laivos infames de limpeza étnica.
Entretanto, e só para melhor explicitação do que, no quadro, constitui o exasperante impasse europeu – com óbvios impactos terríveis na credibilidade que a comunidade internacional pode conceder à União em geral e aos Estados membros em particular –, atente-se na vassalagem disfarçada que foi a visita de Macron a Washington e na acintosa desconsideração de que acaba de ser alvo Kaja Kallas quando, após deslocação para conferenciar com Marco Rubio, lhe comunicam problemas de agenda para concretização do referido encontro.
Torna-se assim premente, quase mesmo vital, que algum golpe de asa possa interromper todo o descontrolo que nos envolve. Do lado de Trump e do seu mandante Putin, estamos conversados, Zelensky fez louvavelmente a sua parte mas dá sinais de exaustão e crescente impotência, as chefias das instituições europeias (especialmente, Ursula, Costa, Metsola e Kallas) agem como “baratas tontas” numa continuada procura de fazerem prova de vida, os governantes nacionais europeus ou estão a braços com problemas muito próprios ou não indiciam qualquer capacidade de reação estratégica conforme e, assim sendo, resta uma lúgubre esperança de que possa ser a intervenção de um inesperado Friedrich Merz (quem sabe se ajudado pelo prestígio de que aufere Mario Draghi e pela efetividade da burocracia bruxelense) a produzir um primeiro abanão no degredo em presença que abra caminho a que ainda se vá a tempo de evitar danos maiores.
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