sábado, 8 de fevereiro de 2025

O MEU CASO JUDICIAL É PIOR (MELHOR) DO QUE O TEU!

 

(Vai por aí uma azáfama partidária comparando a gravidade e consequências das acusações envolvidas na operação Tutti Fruti com outros eventos rocambolescos e lamentáveis que têm emergido na comunicação social, mais ou menos escabrosos, atingido especialmente o Chega. Acho que José Pacheco Pereira tem toda a razão em alertar para que essa comparação é enganosa. De facto, no que respeita ao Chega não é novidade nenhuma concluir que grande parte do refugo da política foi acolhida pelo partido de Ventura, basta estar atento ao comportamento da sua bancada parlamentar. Urros grotescos, manifestações de xenofobia, misoginia da mais escabrosa, manifestações de arruaceiros que devem envergonhar o mais polido Pacheco de Amorim, temos tido de tudo. E, sem ferir o máximo respeito que tenho pelos Açorianos em geral, dos quais tenho boas recordações em termos de trabalho, a verdade é que o conjunto de “tesourinhos” deprimentes que o Chega arregimentou na região autónoma, dos quais o Arruda é simplesmente o epifenómeno mais mediático, por agora esclareça-se, mostra que o refugo da política chegou também aquelas paragens. Se o refugo político do Chega nos vem demonstrar que a captação de novos rostos e personagens para a política anda pelas ruas da amargura, até entre as hostes do antissistema, a incidência da Tutti Fruti nos partidos da governação é bastante mais grave pois demonstra que essa captação está refém de teias de interesses locais, já identificada há muito tempo, é uma manifestação endémica, que tem vindo a reproduzir-se nos contextos de formação de classe política dentro dos muros dos partidos e das suas máquinas de recrutamento. Uma grande parte dos políticos mais jovens aprendeu nesse contexto de reciprocidade de interesses, não conhece outra maneira de estar na política, nunca conheceram valores alternativos, preparando por isso com afinco e paciência os trunfos que jogarão no momento que considerarem ser o mais adequado para fazer valer “a força dos seus argumentos”.)

 Por isso referi que a ideia de JPP de que os problemas do Chega não são do mesmo teor que os dos partidos da governação e que estes últimos causam mais dano na degradação da opinião sobre as forças democráticas com influência possível em matéria de governação é correta e merece toda a atenção.

E há um tópico que não tenho visto discutido e que, em meu entender, penaliza uma outra manifestação desejável da democracia – a descentralização e o valor da democracia local.

O ambiente que a operação Tutti Fruti cria em torno da democracia de proximidade que as Juntas de Freguesia representam atenta e causa grave dano no valor dessa democracia de proximidade. No caso dos políticos locais do PSD envolvidos nesta razia é significativo que, apesar de uma grande maioria ter renunciado ao assento parlamentar que exerciam, sabe-se que continuam ativos e atuantes na máquina partidária local, preparando com a afinco as eleições autárquicas próximas, escolhendo candidatos e, obviamente, reproduzindo no tempo as teias de interesses agora expostas em público, preparando-as para os assaltos seguintes.

Para um defensor convicto como eu da descentralização e da democracia de proximidade, esta realidade não pode ser ignorada na contextualização dos desafios que se colocam atualmente a essa democracia de proximidade. Sei bem que a despesa pública que é realizada pelos sub-níveis de governação abaixo do nível nacional continua a ser em Portugal e no plano comparativo internacional muito baixa, atingindo pouco mais do que 10 a 11% do peso da despesa pública total. Mas como defendi em tempos atrás e em artigos publicados, a influência política municipal é bem superior à que transparece do peso da despesa pública municipal no total da despesa pública. Ora, é no espaço dessa influência que a degenerescência democrática evidenciada pela operação Tutti Fruti assume uma importância extrema, contribuindo ela própria para o avolumar das hostes antissistema.

Por isso, mais do que fazerem o papel hipócrita de virgens ofendidas, os partidos da governação em Portugal não têm outra saída que não seja a de arejarem as suas instalações internas, abrirem bem as janelas, renovarem processos e sobretudo mostrar aos jovens que querem fazer política que existem outras realidades e outras práticas para as quais têm sido canalizados pelas redes e teias de interesses instalados nas estruturas partidárias. Mais do que olhar para as casas dos outros e preocuparem-se com as regras e as figuras que povoam essas outras casas, devem começar pelas próprias e operar um reset profundo das suas próprias organizações.

Nota musical

Nestes tempos de bullying político de governação a nível mundial, a minha irritação e indignação com tudo isso só encontra algum lenitivo na música. Para este fim de semana, trago dois discos que têm o efeito de me acalmarem. Esses discos são a nova gravação por Pedro Burmester das célebres Variações Goldberg de J. S. Bach que fazem esquecer a primeira gravação e uma descoberta musical numa edição da irrepreensível ECM. O violoncelo de Anja Lechner traz-nos duas suites de Bach e obras de compositores que desconhecia, Tobias Hume e Carl Friedrich Abel. Que portento.

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