segunda-feira, 24 de outubro de 2016

OS FALCÕES E A DEMOGRAFIA




(À boleia de uma excelente crónica de Gavyn Davies no Financial Times, alertando para um importante discurso do vice-presidente do FED Stanley Fisher, que parece finalmente dar razão aos que vêm no comportamento das baixas taxas de juro algo mais do que um estado passageiro)

O jornalismo económico tem dividido os membros do Federal Open Market Committee (FOMC) responsável pelas decisões de política monetária do FED USA entre pombas e falcões, associando aos últimos as posições mais duras em matéria de manipulação das taxas de juro de referência. Os falcões têm-se movimentado no sentido de impor à presidente Janet Yellen a subida a prazo das taxas de juro de referência, sob o pressuposto de que o zero lower bound não é mal que sempre dure, sendo necessário evitar qualquer pressão especulativa que as baixas taxas de juro tendam a gerar. A primeira subida observada foi fruto dessa pressão e ela tem-se mantido nas sucessivas reuniões do FOMC, embora a evolução do quadro macroeconómico americano esteja longe de assegurar a confirmação do padrão ascendente de taxas que os falcões desejariam impor à economia americana.

Uma das ideias que tem unido os falcões é a rejeição de fatores de natureza estrutural para explicar o comportamento em baixa das taxas de juro, incluindo as que descrevem o comportamento das expectativas a longo prazo em função das antecipações da inflação. Por outras palavras, a generalidade dos falcões tem-se oposto à tese de que são insuficiências estruturais de mais largo fôlego que explicam a persistência das baixas taxas de juro. A tese da estagnação secular, que tantas vezes tem sido citada neste blogue, causa alergia aos ditos falcões. Sempre viram o “zero lower bound” como algo de circunstancial ou passageiro, embora o alongamento da dimensão temporal do passageiro tenha provocado dificuldades ao argumento.

O já mencionado Gavyn Davies anota no mais recente discurso de Stanley Fisher alguma alteração nessa perspetiva, sugerindo que o alongamento da dimensão temporal do predomínio de baixas taxas de juro começa a abrir caminho entre os falcões para acolher na sua própria avaliação elementos de teor estrutural. A abertura desse caminho teria de ser soft. Nada melhor do que começar pela influência dos fatores demográficos, pois a dimensão demográfica não a carga conflitual que outras dimensões estruturais, tais como a desigualdade, transportam consigo.

O discurso de Stanley Fisher apoia-se em evidências de investigação de economistas do próprio FED e aponta para três influências da questão demográfica que cava fundo nas sociedades avançadas ocidentais.

A primeira influência é a possibilidade da diminuição dos ritmos de crescimento da força de trabalho alterarem a relação capital/trabalho, aumentando a abundância relativa do capital (aumento do rácio) e com isso fazendo diminuir a taxa de retorno do capital, reduzindo a taxa real de juro que equilibraria a longo prazo a relação entre a poupança e o investimento.

A segunda influência é determinada pela eventual diminuição do peso de trabalhadores ativos em relação à população dependente de jovens e velhos. Como se poupa mais na idade ativa, a diminuição desse peso pode alterar a taxa de poupança.

A terceira influência aponta para os efeitos de vidas mais longas que podem impor hábitos de poupança mais salientes na vida ativa e na reforma, fazendo aumentar a taxa de poupança e descer a taxa de juro real de equilíbrio.

A demografia é obviamente um fator estrutural e as evidências de estimação de baixas da taxa de juro de equilíbrio provocadas por tais efeitos vêm trazer à política monetária novos cambiantes. O muro da insensibilidade da política monetária a fatores estruturais parece querer ceder. A negação das evidências seria demasiado ostensiva. Passo a passo, timidamente é claro, vão sendo criadas condições para uma mais completa explicação dos atrasos da recuperação pós 2007-2008. De mal o menos.


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