(A experimentação
monetária com as taxas de juro negativas impostas por bancos centrais continua,
embora, sinal dos tempos, não
haja ainda hoje uma posição estabilizada sobre o seu alcance e efeitos)
O que podemos dizer
quanto a esta matéria é que a experimentação, à vista, em grande medida, continua,
com o BCE e o Banco Central do Japão a trilharem o caminho iniciado pela Suécia,
Dinamarca e Suiça.
A correta avaliação dos
efeitos provocados pela experiência está ainda por estabilizar. Uma das razões é
que em alguns sistemas bancários os bancos têm conseguido não repercutir o
valor negativo das taxas sobre os seus clientes. De acordo, com o testemunho do
presidente do Banco Central da Suécia, um dos iniciadores do processo, a
desvalorizar os eventuais efeitos penalizadores da medida sobre a rendibilidade
bancária. Neste caso, há evidências de que os bancos suecos, à partida
enfrentando uma situação financeira mais equilibrada do que alguns congéneres
europeus, têm conseguido não repercutir a medida nem para o público em geral,
nem para as pequenas e médias empresas. As grandes empresas, pelo contrário, não
têm escapado a ter de pagar para parquear dinheiro no sistema bancário. Não há
bela sem senão e a economia sueca, embora com crescimento relativamente saudável
face ao panorama europeu e com uma ajuda recente da desvalorização da coroa
face ao euro e ao dólar, está hoje mergulhada no que poderíamos designar de pré-bolha
imobiliária, com o nível de dívida das famílias em percentagem do rendimento
disponível a aproximar-se tendencialmente dos 200%.
Em contraste com a
aparente capacidade sueca de acomodar as taxas de juro negativas, a Alemanha
agita-se já há longo tempo em torno do espectro das taxas negativas. Os bancos
de poupança alemães, coração do sistema financeiro regional alemão e esteio da
tão propagada capacidade de aforro dos alemães, têm conseguido até agora não
repercutir para os depositantes entre os quais os pensionistas esse fardo,
penalizando deliberadamente as grandes empresas. A banca de poupança alemã, às
voltas com um excesso de depósitos em relação às suas aplicações, está ensanduichada
entre parquear reservas a taxas negativas ou fazer repercutir tal fardo nos
seus depositantes mais tradicionais. A elasticidade possível vai-se esgotando e
estamos a falar, nada mais nada menos, de cerca de 400 bancos regionais e
locais.
Não espanta, por isso,
que a grande bagunça esteja instalada sobretudo do ponto de vista das
recriminações feitas à política monetária, mais propriamente aos bancos
centrais e aos seus responsáveis. Foi esse o caso de Theresa May, primeira-ministra
do Reino Unido, nada simpática para com a política monetária do banco central
que lhe caiu em sorte. Mas há que convir que o universo das taxas negativas não
é propriamente o resultado de um comportamento bizantino e excêntrico dos
bancos centrais. Vale a pena não ignorar que as taxas negativas vêm na sequência
de perspetivas anémicas de crescimento de procura global e de inflação, estas últimas
em grande medida abaixo dos valores meta dos bancos centrais, com descrédito
manifesto para estes. Como mudança de paradigma ou laivos de um novo normal, as
taxas negativas tendem a baralhar o modo como tudo se organizava e compunha em
torno da política monetária de cruzeiro. Desaparecido esse contexto, os novos
alinhamentos não podem deixar de ser seguidos à lupa, incluindo aqui, por exemplo,
os efeitos distributivos entre detentores de ativos e de depósitos de poupança,
a situação dos fundos de pensões e as relações até negligenciadas entre a política
monetária e a desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza.
Longe vão os tempos da tão
defendida independência dos bancos centrais e da política monetária em piloto
automático para afastar as imperfeições da decisão política e a tentação de
manipulação da despesa pública.
O cartoon que retrata a
agressividade de Theresa May no artigo que Martin Wolf dedica no Financial Times a esta matéria é bem sintomático da mudança dos tempos.
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