quarta-feira, 19 de outubro de 2016

AFINAL, O QUE DEVEMOS ESPERAR DAS TAXAS NEGATIVAS?




(A experimentação monetária com as taxas de juro negativas impostas por bancos centrais continua, embora, sinal dos tempos, não haja ainda hoje uma posição estabilizada sobre o seu alcance e efeitos)

O que podemos dizer quanto a esta matéria é que a experimentação, à vista, em grande medida, continua, com o BCE e o Banco Central do Japão a trilharem o caminho iniciado pela Suécia, Dinamarca e Suiça.

A correta avaliação dos efeitos provocados pela experiência está ainda por estabilizar. Uma das razões é que em alguns sistemas bancários os bancos têm conseguido não repercutir o valor negativo das taxas sobre os seus clientes. De acordo, com o testemunho do presidente do Banco Central da Suécia, um dos iniciadores do processo, a desvalorizar os eventuais efeitos penalizadores da medida sobre a rendibilidade bancária. Neste caso, há evidências de que os bancos suecos, à partida enfrentando uma situação financeira mais equilibrada do que alguns congéneres europeus, têm conseguido não repercutir a medida nem para o público em geral, nem para as pequenas e médias empresas. As grandes empresas, pelo contrário, não têm escapado a ter de pagar para parquear dinheiro no sistema bancário. Não há bela sem senão e a economia sueca, embora com crescimento relativamente saudável face ao panorama europeu e com uma ajuda recente da desvalorização da coroa face ao euro e ao dólar, está hoje mergulhada no que poderíamos designar de pré-bolha imobiliária, com o nível de dívida das famílias em percentagem do rendimento disponível a aproximar-se tendencialmente dos 200%.

Em contraste com a aparente capacidade sueca de acomodar as taxas de juro negativas, a Alemanha agita-se já há longo tempo em torno do espectro das taxas negativas. Os bancos de poupança alemães, coração do sistema financeiro regional alemão e esteio da tão propagada capacidade de aforro dos alemães, têm conseguido até agora não repercutir para os depositantes entre os quais os pensionistas esse fardo, penalizando deliberadamente as grandes empresas. A banca de poupança alemã, às voltas com um excesso de depósitos em relação às suas aplicações, está ensanduichada entre parquear reservas a taxas negativas ou fazer repercutir tal fardo nos seus depositantes mais tradicionais. A elasticidade possível vai-se esgotando e estamos a falar, nada mais nada menos, de cerca de 400 bancos regionais e locais.

Não espanta, por isso, que a grande bagunça esteja instalada sobretudo do ponto de vista das recriminações feitas à política monetária, mais propriamente aos bancos centrais e aos seus responsáveis. Foi esse o caso de Theresa May, primeira-ministra do Reino Unido, nada simpática para com a política monetária do banco central que lhe caiu em sorte. Mas há que convir que o universo das taxas negativas não é propriamente o resultado de um comportamento bizantino e excêntrico dos bancos centrais. Vale a pena não ignorar que as taxas negativas vêm na sequência de perspetivas anémicas de crescimento de procura global e de inflação, estas últimas em grande medida abaixo dos valores meta dos bancos centrais, com descrédito manifesto para estes. Como mudança de paradigma ou laivos de um novo normal, as taxas negativas tendem a baralhar o modo como tudo se organizava e compunha em torno da política monetária de cruzeiro. Desaparecido esse contexto, os novos alinhamentos não podem deixar de ser seguidos à lupa, incluindo aqui, por exemplo, os efeitos distributivos entre detentores de ativos e de depósitos de poupança, a situação dos fundos de pensões e as relações até negligenciadas entre a política monetária e a desigualdade na distribuição do rendimento e da riqueza.

Longe vão os tempos da tão defendida independência dos bancos centrais e da política monetária em piloto automático para afastar as imperfeições da decisão política e a tentação de manipulação da despesa pública.

O cartoon que retrata a agressividade de Theresa May no artigo que Martin Wolf dedica no Financial Times a esta matéria é bem sintomático da mudança dos tempos.

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