(Já não há francamente
pachorra para este tipo de controvérsias que excitam tanto os nossos jornalistas,
que reagem como animaizinhos amestrados à possibilidade de as desencadear, embora não acrescentem rigorosamente nada à
resolução do bicudo problema que nos saiu em sorte)
O governo em funções irá
lançar (anunciou que vai lançar mas é este o hábito por estes dias) um programa
de estímulo ao cumprimento de dívidas ao fisco e à segurança social que visa
gerar receita fiscal ao longo dos próximos anos, mas que pelas condições em que
será lançado muito provavelmente poderá ainda em 2016 gerar receita que ajude
ao cumprimento do défice dos 2,5% do PIB ou abaixo dele. Estava escrito nas
estrelas que o jornalismo nativo iria encontrar nesta matéria vasto campo para
esgrimir as contradições de comportamento no governo e depois na oposição ou
vice-versa.
A pimenta necessária
para gerar a reação pavloviana do jornalismo luso está na palavra perdão
fiscal. Com políticos que falam como gralhas desesperadas em busca de um sound bite de glória, é facílimo
encontrar uma contradição entre o que se disse ontem na oposição e o que se diz
agora no governo, ou o contrário também é verdadeiro. No caso do PS, coube
pelos registos mais conhecidos ao então deputado Eduardo Cabrita zurzir no
programa de estímulo à concretização de dívidas fiscais lançado pelo PAF, para
agora o atual governo recusar liminarmente a designação de perdão fiscal, já
que não há perdão de dívida mas antes perdão de juros e de custas judiciais.
Como é óbvio, perdão de
juros faz parte de uma ideia mais alargada de perdão fiscal, pois sabemos o ónus
que representa a carga de juros que se acumula sobre uma dívida fiscal ou de
contribuições para a segurança social ao fim de algum tempo. A explicação mais
lúcida que ouvi do assunto foi a do próprio secretário de Estado Rocha Andrade,
que foi apanhado a usar a expressão perdão fiscal e como cheirou a esturro o
caso da GALP a existência de um litígio fiscal entre esta empresa e o fisco fez
o resto. Mas, desautorizado ou não, Rocha Andrade foi o único que fez a
diferença ao explicar que o programa do atual governo permite o pagamento a prestações
da dívida, o que não existiria no programa do governo anterior que apostava
tudo na cobrança antecipada para um dado ano.
Como é também óbvio, um
programa desta natureza, mesmo que alongado no tempo, não deixa de ter um
objetivo de cobrança de receita fiscal. Não podemos também ignorar que estímulos
desta natureza podem gerar um efeito de risco moral. Tantos programas de estímulo
ao pagamento de dívidas acabarão sempre por despertar em alguns a ideia que
vale a pena atrasar pagamentos, já que um programa qualquer tenderá a emergir
para evitar o pagamento de juros e com a morosidade da justiça essa opção pode
colher e ser favorável ao infrator.
Mas uma coisa não pode
ser ignorada. A magnitude das dívidas ao fisco e à segurança social é demasiado
volumosa para ser deixada às maleitas da justiça em termos de recursos humanos.
Por isso, a semântica do perdão fiscal é ridícula, mais valeria assumir a contradição
entre o passado e o presente, confirmar que é perdão fiscal de juros e de
custas judiciais e que em termos de análise custo-benefício os resultados prováveis
do programa são superiores ao risco moral de tal política. Polémicas semânticas
desta natureza dispensamo-las bem. Não acrescentam rigorosamente nada à resolução
dos problemas que nos batem à porta. E contradições entre afirmações do passado
e do presente, quando não materializam o propósito de enganar toscamente o eleitor,
rapidamente são esquecidas. Mas falar menos talvez não fosse má ideia.
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