sábado, 22 de outubro de 2016

RÉPLICAS ORÇAMENTAIS





(Por mais que os mensageiros da oposição, estruturada ou simplesmente porque os atormenta ver a esquerda a governar, gralhem sem parar, a verdade é que para lá do ruído a mensagem é favorável ao governo)

Não vos sei dizer, pois não tenho informação para isso, se o resultado encontrado na proposta de orçamento apresentada no Parlamento e em Bruxelas é fruto essencialmente da equipa de Centeno nas Finanças ou se, em bom rigor, teríamos de louvar o trabalho de outros membros do governo. Há quem diga que a presença de António Costa nos últimos momentos antes do seu encerramento terá sido essencial para fechar negociações à esquerda. Talvez seja isso que aconteceu e seguramente que tal mensagem está em linha com a imagem de negociador por excelência que o primeiro-Ministro pretende disseminar.

Ignoremos por agora as antecâmaras do documento orçamental e centremo-nos no ruído das mensagens e discussões que o Orçamento suscitou. E se é verdade que há vida para além do orçamento, a própria oposição ao morder a isca retira o que está para além do orçamento da discussão, ao embrenhar-se em algumas batalhas impossíveis.

As discussões que os mensageiros da oposição têm procurado colocar no centro da comunicação acabam por ser virtuais. Grande parte das matérias escolhidas para zurzir no orçamento só assumirão pleno significado quando se perfilarem consumos ou despesas concretos. Assim, por exemplo, a batalha em torno do aumento de impostos que este orçamento veiculará não tem resistido aos exercícios globais e de simulações específicas que os diferentes órgãos de comunicação social têm veiculado. A ideia dominante, mesmo entre órgãos de comunicação claramente avessos ao governo atual, é a de que há uma ligeira quebra da carga fiscal e não o seu aumento. Quando para contrariar esta tónica dominante se leva a discussão para casos muito específicos, a batalha já está perdida, pois esses casos específicos não cobrem a generalidade do eleitorado e entram rapidamente no domínio das curiosidades.

Em simultâneo, conseguir pela primeira vez que o Conselho das Finanças Públicas esteja em comentário de cruzeiro relativamente ao orçamento, atingir o mais baixo défice da democracia em cerca de 42 anos, aparentemente colocar a Comissão Europeia em dificuldades para conseguir mais cortes, receber elogios do BCE, aguentar a notação de risco e equilibrar sensibilidades no interior da esquerda é obra e será isso que ficará da discussão nos meios de comunicação e no futuro debate parlamentar.

Como previa, a matéria que traz mais combustível para a discussão é a das pensões não contributivas. Por dois motivos. Primeiro, porque governo e oposição devem algumas explicações ao cidadão que quer ser respeitado. O governo assumiu que entre as pensões não contributivas mais baixas já teriam sido aumentadas pelo governo PAF e que só seriam aumentadas as que não correspondessem ao discurso do governo de então. A secretária de Estado da Segurança Social veio a terreiro afirmar que cerca de 250.000 pensões teriam afinal sido ignoradas pelo governo anterior. A oposição não mugiu nem tugiu, O assunto não é despiciendo e não pode ser remetido para as entrelinhas. Desse ruído não purificado, ficam apenas os comentários dos nossos liberais libertários (hayekianos, assumem a carapuça?), como André Alves no Observador, aparentemente escandalizados com as opções distributivas do governo à esquerda em matéria de aumento de pensões. A hipocrisia destes libertários é aflitiva, pois não os vi preocupados com essa questão em plena ofensiva de cortes generalizados impostos pela Troika e aplaudidos pelo governo PAF. Segundo motivo, e de longe o mais importante e decisivo para este blogue, e claramente apontada a um tempo pós orçamento, a esquerda dá mostras de poder reagir mal à possibilidade de ser discutida a aplicação de pensões não contributivas à condição de demonstração de recursos. Um dia depois de alertar para essa questão neste blogue e certamente por simples coincidência Francisco Louçã foi o primeiro a revelar essa incomodidade, relembrando ao Bloco as suas linhas vermelhas.

Sou o primeiro a reconhecer que condição de recursos nas prestações sociais tem anunciado o pior por esse mundo fora, incluindo o social-democrata. Mas não vejo razão para ser tema tabu, pelo menos para uma esquerda que rejeite o atavismo.

Sem comentários:

Enviar um comentário