(O peso do
Orçamento no debate político em Portugal é asfixiante e não é um indicador de
saúde confortável do estado das coisas no país, embora face à hipocrisia reinante e à
perplexidade da direita que está longe de uma maioria que lhe permita o acesso
ao poder se possa dizer que o governo foi além das expectativas)
Por entre o ruído
que a preparação na praça pública (o Bloco de Esquerda ferve de entusiasmo e
frenesim com a divulgação pública dos seus contributos para os resultados da
negociação, atenção que o frenesim pega-se e é depois difícil passar para fora
dos círculos da governação) e a apresentação do Orçamento suscitaram há uma
dimensão que predomina sobre todas as outras. A direita na oposição, o
jornalismo que com ela se identifica, designadamente o económico, e os
comentadores e jornalistas que nunca engoliram a decisão de António Costa em
gerar o novo acordo parlamentar sempre viram na preparação do orçamento para
2017 o momento crucial para as contradições internas e externas gerarem a
esperada implosão. Ao nível interno, sempre esperaram que as sanhas
reivindicativas de PCP e Bloco se contagiassem reciprocamente, levando a
sustentação do acordo para limites incomportáveis face à contradição externa, a
pressão das autoridades europeias. Pelo menos aparentemente, no plano do acordo
parlamentar, a capacidade política de perceber os malefícios de um rompimento tem
frustrado as pretensões dos catastrofistas. No plano externo, tudo indica que a
Comissão Europeia esteja mais preocupada com a situação do sistema financeiro do
que com o défice. Para além disso, embora por agora se trate apenas de números,
tudo indica que a meta imposta pela Comissão para 2016 seja mais do que
superada e o défice projetado para 2017, incluindo a redução do défice
estrutural, embora possa gerar discussão técnica e política não parece que as
autoridades comunitárias tenham matéria para meter o nojo que desejariam.
Mas o que
dizer da obra apresentada na passada sexta-feira? Certamente, não esperaria
outra coisa, que não se trata de obra perfeita. Seguramente que a nota mais
disseminada vai ser que o governo dá com uma mão o que se apressa a retirar com
a outra. Não me parece que, por essa via, os que se oporiam em qualquer circunstância
ao orçamento da maioria de esquerda cheguem a um lugar certo. A metáfora da mão
direita e da mão esquerda pode ter alguma expressividade, mas não é seguro que
as mãos sejam da mesma pessoa contribuinte. As mãos direita (a que corta) e esquerda
(a que repõe ou oferece) podem pertencer a pessoas diferentes.
Primeiro do
que tudo, o governo consegue algo de inesperado, apresentar alguma coisa que não
pode ser acusado de falta de credibilidade quanto ao cenário de previsões em que
assenta. Não sei se a Dra. Teodora Cardoso se terá contorcido com a afirmação
de que o orçamento parte de uma base realista, mas é a primeira vez que isso
sucede, depois de tanto zurzir nas previsões para 2016. E mesmo que o discurso
de que a carga fiscal continua a aumentar prolifere em qualquer bicho careta,
sendo espantoso a forma leviana como o debate político e jornalístico usa estas
matérias, ouvi por acaso na sexta-feira passada o Contraditório da Antena 1 e o
comentador político da Antena 1 Raul Vaz limitar-se a zurzir nos novos impostos
sobre o consumo e a sentir-se penalizado no seu consumo de Sumol
ao pequeno-almoço. Quando um orçamento é zurzido neste tipo de pormenores, penso
que está tudo dito. E até aí a direita e seus representantes presentes ou ocultos
têm de engolir o Comissário Europeu para a saúde a proclamar que tributar
refrigerantes implica coragem política.
E mesmo a retórica do não
cumprimento de promessas quanto à supressão da sobretaxa deixa muito a desejar,
quando se compara este plano faseado de supressão com a data prevista pelo PAF
para a sua eliminação que apontava para 2019. A mesma direita deve-se ter
revirado nos sofás quando ouviu António Lobo Xavier no Quadratura do Círculo
confirmar com clareza que a opção de redistribuir entre impostos diretos e indiretos,
não mexendo no IVA, é amiga do crescimento e da redução da pobreza. E é um
especialista em impostos que fala.
Tudo indica que o acordo
à esquerda irá ultrapassar o cabo do Orçamento de 2017 para desgosto dos que
avaliaram mal a postura das forças políticas que o suportam. No orçamento de
2017 e o folclore da sua discussão na especialidade não vai atraiçoar esta
ideia, há suficientes marcas de reposição e redistribuição de rendimento para PCP
e Bloco continuarem a afirmar-se perante os seus eleitorados. Além disso, a consignação
do novo imposto imobiliário ao Fundo de Estabilidade da Segurança Social é uma
boa malha política, clara como água e transparente na mensagem política que
veicula. Certamente que há matérias em que o governo arrisca em meu entender
desnecessariamente. O agravamento da tributação sobre o alojamento local parece-me
precoce, face sobretudo ao impacto que essa forma de alojamento está a produzir
em termos de renovação urbana. A questão que costumo colocar a gente minha
conhecida que se pelará por controlar essa forma de alojamento turístico é a
seguinte: o que seria dos espaços agora renovados se não tivesse acontecido
esta procura da renovação para alojamento local? Teria acontecido? Não creio.
As grandes interrogações
da situação atual, ultrapassado que esteja o cabo do orçamento de 2017, continuarão
na capacidade da governação de criar melhores condições de crescimento económico
e no fardo da dívida. Estas duas interrogações tendem a ser ligadas pela maioria
dos analistas: o fardo da dívida, medido pelo peso dos juros que ela envolve, inibe
a política pública de libertar recursos para o investimento. Não é esse em meu
entender o principal fardo. O peso da opressão está na vulnerabilidade do que representam
128,3% do PIB em termos de dívida pública face à instabilidade do sistema
financeiro a nível mundial.
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