domingo, 23 de outubro de 2016

MAU TEMPO NO CANAL DO LIVRE COMÉRCIO

(Le Soir)


(A rejeição pelo parlamento da região belga francófona da Valónia do acordo comercial entre a Europa e o Canadá é apenas a manifestação de algo mais geral, que consiste na claríssima perda de apoiantes do livre comércio na cena internacional)

Na Europa, sabemo-lo há já bastante tempo, que tudo pode acontecer, para todos os gostos e feitios. O regresso a casa da equipa política ao mais alto nível do Canadá que veio à Europa tentar convencer de viva presença os europeus a não bloquear o acordo de comércio livre (que é mais do que isso convém ter em conta) com o Canadá, peça de algo mais vasto que previa o acordo transatlântico que envolveria também a economia americana, é apenas uma circunstância no âmbito de uma tendência. O pronunciamento do parlamento regional da Valónia contra o acordo teve o condão de pôr preto no branco inúmeras reticências que emergiam de vários lados. Desconhece-se qual vai a cena dos próximos capítulos. Vale a pena meditar nesta onda de reservas, dúvidas, medos ou malquerenças que, de repente, brotaram de muitos quadrantes, bloqueando inequivocamente os avanços do livre comércio.

A questão do acordo Europa-Canadá tem inúmeros cambiantes a pairar sobre a sua interrupção que tornam difícil a explicação do bloqueio criado através da utilização de argumentos muito mecânicos. Uma das matérias menos debatidas, em contradição com a relevância do problema, prende-se com a posição privilegiada que a defesa dos interesses das multinacionais ganha com este tipo de acordos, contribuindo para menorizar ainda mais a posição dos países soberanos face a litígios comerciais com essas empresas. É tema que merece visita futura, mas não será esse o foco este post.

Dani Rodrik, um economista visitado com frequência neste blogue, foi dos primeiros a alertar para as dificuldades crescentes da integração económica se aprofundar por via da glorificação do princípio do livre comércio. A globalização económica sempre utilizou o discurso do livre comércio ou livre-câmbio como o seu princípio racionalizador dentro daquele princípio que o comércio livre coloca sempre os países em presença numa posição mais favorável que a autarcia. Mas a consideração dos países como unidades homogéneas é uma pura abstração.

O alerta de Rodrik surge hoje reforçado:

“As elites minimizaram as preocupações distributivas, embora se tenham transformado em algo de significativo para as comunidades mais diretamente afetadas. Exageraram os ganhos globais implicados pelos tratados comerciais, embora tenham sido francamente reduzidos pelo menos desde o NAFTA. Disseram que a soberania não seria diminuída, embora claramente o fosse em algumas instâncias. Defenderam que os princípios democráticos não seriam minados, embora em vários lugares isso tenha acontecido. Afirmaram que não haveria dumping social embora ele fosse claro muitas vezes. Publicitaram os acordos comerciais como acordos de comércio livre (e continuam a fazê-lo), embora Adam Smith e David Ricardo dessem voltas nos seus túmulos se lessem alguns dos capítulos dos grandes tratados em discussão”.

Dani Rodrik, “The Wallon Mouse, Dani Rodrik’s web blog, 22de outubro de 2016-10-23
A economia vendeu fria a ilusão. O discurso do livre-comércio ia vendendo, com esse beneplácito da elite económica. Hoje já não vende, está encalhado e está por construir uma alternativa de pensamento que evite a perigosa autarcia ou o salve-se quem puder.

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