(Le Soir)
(A rejeição pelo
parlamento da região belga francófona da Valónia do acordo comercial entre a Europa
e o Canadá é apenas a manifestação de algo mais geral, que consiste na claríssima perda de
apoiantes do livre comércio na cena internacional)
Na Europa, sabemo-lo há
já bastante tempo, que tudo pode acontecer, para todos os gostos e feitios. O regresso
a casa da equipa política ao mais alto nível do Canadá que veio à Europa tentar
convencer de viva presença os europeus a não bloquear o acordo de comércio
livre (que é mais do que isso convém ter em conta) com o Canadá, peça de algo
mais vasto que previa o acordo transatlântico que envolveria também a economia
americana, é apenas uma circunstância no âmbito de uma tendência. O pronunciamento
do parlamento regional da Valónia contra o acordo teve o condão de pôr preto no
branco inúmeras reticências que emergiam de vários lados. Desconhece-se qual
vai a cena dos próximos capítulos. Vale a pena meditar nesta onda de reservas,
dúvidas, medos ou malquerenças que, de repente, brotaram de muitos quadrantes,
bloqueando inequivocamente os avanços do livre comércio.
A questão do acordo
Europa-Canadá tem inúmeros cambiantes a pairar sobre a sua interrupção que
tornam difícil a explicação do bloqueio criado através da utilização de
argumentos muito mecânicos. Uma das matérias menos debatidas, em contradição
com a relevância do problema, prende-se com a posição privilegiada que a defesa
dos interesses das multinacionais ganha com este tipo de acordos, contribuindo
para menorizar ainda mais a posição dos países soberanos face a litígios comerciais
com essas empresas. É tema que merece visita futura, mas não será esse o foco
este post.
Dani Rodrik, um
economista visitado com frequência neste blogue, foi dos primeiros a alertar
para as dificuldades crescentes da integração económica se aprofundar por via da
glorificação do princípio do livre comércio. A globalização económica sempre
utilizou o discurso do livre comércio ou livre-câmbio como o seu princípio
racionalizador dentro daquele princípio que o comércio livre coloca sempre os
países em presença numa posição mais favorável que a autarcia. Mas a consideração
dos países como unidades homogéneas é uma pura abstração.
O alerta de Rodrik surge
hoje reforçado:
“As elites minimizaram as preocupações distributivas, embora se tenham
transformado em algo de significativo para as comunidades mais diretamente afetadas.
Exageraram os ganhos globais implicados pelos tratados comerciais, embora
tenham sido francamente reduzidos pelo menos desde o NAFTA. Disseram que a
soberania não seria diminuída, embora claramente o fosse em algumas instâncias.
Defenderam que os princípios democráticos não seriam minados, embora em vários
lugares isso tenha acontecido. Afirmaram que não haveria dumping social embora
ele fosse claro muitas vezes. Publicitaram os acordos comerciais como acordos
de comércio livre (e continuam a fazê-lo), embora Adam Smith e David Ricardo dessem
voltas nos seus túmulos se lessem alguns dos capítulos dos grandes tratados em
discussão”.
Dani Rodrik,
“The Wallon Mouse, Dani Rodrik’s web blog, 22de outubro de 2016-10-23
A economia vendeu fria a
ilusão. O discurso do livre-comércio ia vendendo, com esse beneplácito da elite
económica. Hoje já não vende, está encalhado e está por construir uma alternativa
de pensamento que evite a perigosa autarcia ou o salve-se quem puder.
Sem comentários:
Enviar um comentário