(Embora fortemente
questionados, o PIB e a sua taxa de variação continuam a dominar a medida do bem-estar
material, o que não significa
que não devamos estar atentos às imperfeições da medida)
Há por todo o mundo uma
massa de carpideiras que lamentam a anemia do crescimento económico que vai caracterizando
as economias mais avançadas, com efeitos posteriores nas menos desenvolvidas. Pressupondo
que tais lamúrias não significam desejar o crescimento pelo crescimento, imagina-se
que o fundamento de tais lamentos reside na suposição de que mais crescimento económico
significará melhoria de condições de vida material e de rendimento de cada um. É
conhecida a associação que, desde os primórdios da economia do desenvolvimento,
existe entre PIB per capita e bem-estar material, alargada à sua versão dinâmica
de variação do PIB per capita sugerir variação de igual sinal do bem-estar
material. Como a taxa de variação do PIB per capita é aproximadamente igual à
diferença entre a taxa de variação do PIB e a da população, em tempos de estagnação
demográfica, o crescimento económico repercutir-se-ia praticamente na variação
do bem-estar.
Ora, por coincidência ou
não, a OCDE nos seus Insights que dão conta de investigação realizada no seio
da instituição através dos seus diferentes programas, apresentou recentemente (ver link aqui)
análises interessantes sobre a relação entre o comportamento do PIB capita (uma
medida do crescimento e da sua abrangência por indivíduo) e do rendimento
disponível dos indivíduos. Compreende-se a preocupação. Para a generalidade do
cidadão individual, o PIB per capita é
uma abstração. Já o seu rendimento disponível é algo de concreto. A OCDE
analisa assim a não associação perfeita que existe entre as duas variáveis. E
um bom exemplo dessa não associação é a Irlanda. Ainda há relativamente pouco
tempo, chamei a atenção neste blogue para o alarido que andava por aí quanto às
taxas de crescimento económico a dois dígitos que deveriam ser apresentadas como
a recuperação de programas de ajustamento tipo Troika é possível e viável. Chamei
então a atenção para a ilusão estatística de grande parte do crescimento irlandês,
não ignorando que se trata de uma economia com normalidade de crescimento elevado.
Pois, se compararmos a posição da Irlanda em termos de PIB per capita, ela tem
uma posição 24% acima da média da OCDE. Porém, quando medimos o rendimento
disponível das famílias irlandesas, a Irlanda está 22% abaixo da média da OCDE,
pressentindo por isso que os Irlandeses não devem estar muito orgulhosos com a
sua performance de crescimento económico.
A imagem que abre este post documenta com um gráfico OCDE as
diferenças existentes entre PIB per capita
e rendimento disponível das famílias. Sabemos que as diferenças entre as
duas variáveis se explicam, por exemplo, em períodos em que as remunerações do
trabalho tendem a perder peso no valor acrescentado pelas empresas e quando a
percentagem de lucros retida pelas empresas aumenta por oposição aquele
primeiro fenómeno. O que está, aliás, a acontecer na maioria das economias avançadas.
Esta diferença é melhor intuída pelo leitor comum. Há outros fatores, menos
explícitos em termos de mensagem explicativa, como por exemplo os diferentes
comportamentos observados entre preços ao consumo e índice de preços global
implícito no PIB ou ainda por questões de política fiscal distributiva.
De qualquer modo e como
moral da história, convém não ignorar que mais crescimento pode ser tão só uma
condição necessária mas não suficiente para que os indivíduos vejam o seu
bem-estar material melhorar, não por uma abstração, mas pelo rendimento que têm
para gastos. Outra coisa é clamar por mais crescimento para uma melhor contabilidade
do défice público (em percentagem do PIB, claro está). Isso é outra conversa,
mas como dizia alguém há mais vida para além do défice, pelo menos não pensando
como credores quadrados.
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