(Em 1983, escrevi
uma comunicação para uma conferência em Lisboa que se chamava “A
degenerescência da base moral da economia portuguesa”, o que nunca pensei é que trinta e três anos
depois o tema permanecesse tão atual e oportuno)
Há dias, num
momento de revisita mais ou menos nostálgica, que raramente me acontece, a
publicações minhas que se foram perdendo na memória do tempo, estive a reler um
artigo que escrevi, em 1983, para uma conferência do CISEP – ISEG em Lisboa que
se concentrava na EVOLUÇÃO RECENTE E PERSPETIVAS
DE TRANSFORMAÇÃO DA ECONOMIA PORTUGUESA. O artigo chamava-se “A degenerescência
da base moral da economia portuguesa” e recordo-me de alguns momentos saborosos
de conversa com a Professora Manuela Silva, organizadora da referida
conferência, a propósito do tema. A ideia era na altura trazer para a análise
da economia portuguesa a evolução da base moral do capitalismo português,
invocando pioneiramente em Portugal, na altura praticamente ignorada, a Teoria dos Sentimentos Morais de Adam
Smith, obra fundamental para contextualizar a célebre mão invisível de um dos
pais da economia política e tão enviesadamente lido nas vulgatas económicas que
por aí proliferam.
No referido
artigo, entre outras dimensões, analisava a degenerescência das relações entre
o capitalismo empresarial e o sistema financeiro, intuindo que a economia
portuguesa atravessava uma transição no seu sistema de valores. Nunca imaginei,
sinceramente, que o tema se tornasse em matéria tão espessa, a ponto de
degenerar em constrangimento endémico. Já na altura distinguia bem a questão da
base moral da economia do advento de moralismos avulsos e alimentadores de
populismos ressabiados. Nos últimos dias, o ar que se vai respirando na vida
política portuguesa é tóxico e incomodativo, tudo isto apesar de tudo indicar
que o orçamento vai passar, esvaziando um balão que muitos pensavam poder
rebentar.
Senão
vejamos. O que se tem passado na cena pública quanto à matéria de remunerações,
regalias e outras isenções dos administradores da Caixa Geral de Depósitos é
tóxico, indecoroso e chocante. Já perceberam por posts anteriores que não morro de amores pelos atores do nosso
sistema financeiro, salvo raríssimas exceções que me dispenso de mencionar,
pois essas pessoas sabem muito bem que a minha animosidade a elas não se
aplica. Tenho claro que para mim uma grande maioria dos gestores e
administradores está sobrevalorizada no mercado, sobretudo através de uma
criteriosa (e habilidosa) compra de cumplicidades com os acionistas
representativos, mantendo essa sobrevalorização mesmo em contextos em que,
falando a linguagem que tal gente compreende, a dos resultados, a rendibilidade
dessas organizações recomendaria uma maior modéstia e parcimónia de benesses
remuneratórias. Tenho para mim que, se tais personalidades estivessem à frente
de empresas a laborar em ambientes transacionáveis e fortemente competitivos, o
mercado que tanto papagueiam já os teria corrido de cena. Invocando a distinção
básica entre base moral e moralismos de pacotilha, aproveito para dizer que não
me choca que a gestão pública tenha de ser bem remunerada para evitar que o
setor público empresarial e não só esse seja o destino de incompetentes e
protegidos pela manta diáfana dos interesses partidários. Mas o que se torna
tóxico, indecoroso e chocante é tudo o que rodeia de secretismo e de
negociações encapotadas para colocar à frente da CGD uma espécie de Ronaldo e
Messi do sistema financeiro. O ambiente é tão indecoroso que o escoteiro Mirim
comentador Marques Mendes se pode dar ao luxo de emergir como o grande guardião
dos bons costumes na política, denunciando em horário nobre a incompreensível
isenção que o Presidente da CGD teria em matéria de apresentação ao Tribunal
Constitucional dos seus rendimentos e interesses.
Ávido de
encontrar um espaço de sobrevivência política, Passos Coelho e o PSD que o
segue submisso encontraram neste tema uma ampla plataforma para piscar o olho
ao eleitorado sobre as virtualidades de viver em Massamá. Mais uma vez, as
brechas abertas pela governação atual seriam dispensáveis. O governo está no
seu direito de defender que um banco público estruturante para captar os
melhores tem de pagar valores que anulem o custo de oportunidade dos que ousam
trocar o setor privado pelo público. Só se espera que seja rigoroso e que a
ausência de resultados tenha consequências remuneratórias. Mas se nessa
negociação foi admitido qualquer topete de ficar acima de exigências mínimas e
legais de transparência, já começo a compreender o epíteto com que o ainda
então candidato à presidência da CGD seria tratado nos
círculos próximos do Conselho de Ministros. Tudo isto é chocante a começar pelo
líder da oposição a querelar na praça pública com o presidente de um banco
público.
O ambiente
começa a ficar irrespirável e não é da humidade que nos tem cercado. Não há
aqui qualquer metáfora sobre a água que alguns protagonistas têm metido no
exercício das suas funções.
Para tornar
ainda mais irrespirável o ar comunicacional que nos rodeia, o dossier de praça pública que vai
cercando a personalidade José Sócrates começa a ser incómoda para os mais
próximos do dito. E esta de aparecer em palco um personagem da ciência política
da Faculdade de Direito de Lisboa como alter ego dos escritos do ex-primeiro
Ministro ainda adensa mais o ambiente. E os senhores da justiça que não desatam
o nó do que é do processo e do que não é. Um arzinho de montanha purificada
iria bastante bem para desanuviar toda esta pressão.
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