(A navegação
errática e à vista da oposição PSD continua entregue à sua sorte, com aqui e ali laivos de um grande despudor,
matéria que os portugueses costumam designar de grande lata, mas sobretudo de alguma
impreparação em consolidar um discurso consistente)
Bem pode o esforçado
Presidente Marcelo clamar por uma oposição mais estruturada da parte da sua
família política que se arrisca a bater num muro do qual não ecoa rigorosamente
nada. E compreende-se que seja assim. Passos Coelho e a sua azougada partenaire
Maria Luís Albuquerque não tinham mais nada a oferecer do que o regresso ao
receituário utilizado no período de resgate, aproveitando a boleia que lhes
caiu do céu, alavancando uma coisa que dificilmente teriam passado por simples
escrutínio democrático. Por agora, resta-lhes o exercício de pura lata
política, esgrimindo argumentos de primas donas ofendidas, quando muito
incompreendidas pelo eleitorado.
Tem sido navegação à
vista que baste e o palco do orçamento 2017 é o espaço ideal para a
continuidade desse espetáculo. Em bom rigor, essa navegação à vista utiliza por
vezes brechas que a maioria de esquerda lhe oferece por falta de preparação de
medidas e pela insistência na experimentação mediática das medidas propostas.
A primeira frente que o PSD cavalgou foi a das promessas do crescimento económico que o
cenário macro de suporte ao orçamento de 2017 se encarregou finalmente de
ajustar à dura força da realidade. Talvez tivesse sido melhor manter esse rumo
de navegação. A equipa de Centeno revelou-se entretanto bem preparada para
responder a esta frente (veja-se a entrevista ao Jornal de Negócios). Invocando
a evolução do indicador de confiança, o comportamento do emprego e a influência
que a aceleração da execução de Fundos Estruturais dirigidos às empresas pode
exercer na Formação Bruta de Capital Fixo privada, o governo, se bem que não
tenha conseguido tapar toda a brecha, reconstituiu trincheiras e obriga o fogo
adversário a ser mais calculado e eficaz. Conviria, entretanto, o governo
explicar à populaça o comportamento do emprego em contexto de crescimento
moderado (visto pelos registos de contribuições para a segurança social) e de
aumento recente da população ativa, pois isso não é apenas matéria da economia
portuguesa.
A segunda frente que o PSD
tem explorado é a da sua apresentação como intérprete das recriminações do
setor privado quanto à pretensa influência penalizadora da proposta de
Orçamento. Também aqui pedir-se-ia à oposição PSD mais consistência e
persistência na mensagem, que teria de se concentrar na questão dos incentivos
ao investimento privado. Sem essa consistência, arriscou-se, por exemplo, a que
o presidente dos patrões, António Saraiva da CIP, aparecesse em concertação
social bastante mais condescendente quanto às propostas do governo do que no
orçamento de 2016, desarmando em parte o discurso do principal partido da
oposição. A matéria que me parece mais interessante que sai desta apresentação
do orçamento 2017 à concertação social é a denúncia que a CCP (Comércio e Serviços)
faz de se sentir discriminada com o imposto adicional sobre o imobiliário. O
modo como Centeno e Rocha Andrade apresentaram a questão é bastante confusa
relativamente aos setores que ficam de fora, o governo fala de isentar a
atividade produtiva, não se percebendo se houve opção pelos transacionáveis e
com isso deixar parte do comércio de fora. O governo deveria conhecer a já
reiterada posição da CCP de considerar que a crescente importância dos serviços
transacionáveis deveria conduzir a uma menor discriminação do comércio e
serviços no seu acesso a Fundos Estruturais. A confusão que se gerou em torno
do imposto sobre o imobiliário anteciparia naturalmente o regresso da CCP ao
tema, ameaçando até comprometer a concertação social em torno da revisão do
salário mínimo.
Finalmente, a terceira
frente da navegação errática é mais recente e prende-se com as
pensões. Como é sabido, o governo assumiu que corrigiria valores de pensões
apenas para as pensões que não tivessem sido objeto de atualização por parte do
governo anterior. Esta posição conduziu objetivamente a que as pensões mais
baixas, designadamente as não contributivas, não apareçam no orçamento de 2017
com atualização possível. Passos e Maria Luís viram nesta brecha governamental
a oportunidade de se arvorarem em defensores intransigentes dos mais
desafortunados pensionistas. E não desperdiçaram a oportunidade de invocar a
pretensa falta de sensibilidade social da atual maioria, trazendo para a
discussão a eliminação da contribuição extraordinária de solidariedade para as
pensões mais altas. Condimento apetitoso para uma dose PSD de reposição de
rendimentos. Mas a confusão é muita num sistema de pensões que começa a ser
caótico de tantas situações existentes. A secretária de Estado da Segurança Social
veio entretanto a terreiro dizer que afinal havia outras. O governo anterior
ter-se-ia esquecido de atualizar cerca de 250.000 pensionistas (não me
perguntem que pensionistas em concreto) e por isso o critério do atual governo
não determinaria que as pensões abaixo de 275 euros não fossem atualizadas.
Sê-lo-ão para as que terão sido esquecidas pelo governo anterior e pelos
números da secretária de Estado não serão poucas. Navegação à vista da oposição
PSD que combinada com brechas involuntárias ou não da atual maioria provoca
ruído que baste.
Mas em meu modesto
entender a questão mais relevante não é esta. Há dias, ainda antes da
apresentação do orçamento, António Costa veio a público levantar a questão de
que por vezes pensões baixas não significam baixos rendimentos. Afinal, o
primeiro-Ministro queria chamar a atenção para os trabalhos em curso por parte
do governo de constituir um sistema de informação de pensionistas e não apenas
de pensões. No meio destes sinais que vão caindo, há uma outra palavra para a
qual temos de estar futuramente atentos e essa palavra é “means-tested”, mais especificamente “sujeito à condição de
recursos”. O que é que isto quer dizer? O tema é evidentemente o futuro das
pensões não contributivas, isto é, de pensões às quais não corresponde uma
carreira contributiva, por mais errática, pontual ou pequena que ela possa ser.
Por essa Europa (e não só) fora, em que a consolidação orçamental e os apertos
de orçamentos públicos estejam ativos, gerou-se uma tendência para as pensões não
contributivas (extensivas a outras formas de transferências sociais) estarem
sujeitas à verificação da condição de recursos. A ideia é considerar que tais
prestações não se justificam quando os rendimentos do beneficiário apontam para
condições de rendimento que não justificam esse apoio. A prática começou
essencialmente no Reino Unido de Cameron e Osborne (o que nos deve por de
aviso), mas nem os países escandinavos como a Suécia escaparam a essa
tendência. Não tenho qualquer preconceito formado sobre esta matéria e ela dá
uma boa discussão à esquerda, que antecipo com alguma energia entre a atual
maioria parlamentar. Mas sei que o “means-tested”
pode ser aplicado de muitas maneiras e a questão dos limiares a partir dos
quais a demonstração de recursos é exigida é crucial. Também as condições em
que a demonstração de recursos é exigida tem que se lhe diga. Mais
tarde ou mais cedo, o debate vai chegar. Só espero que com menos navegação
errática e menos brechas não totalmente explicadas.
Sem comentários:
Enviar um comentário