(Esgotado o folclore
amargo dos jogos internos, a crise no PSOE merece atenta reflexão aos que se
interessam pela renovação do socialismo democrático e da social-democracia, particularmente no quadro da Espanha das nações,
ou seja, ponderando a influência das autonomias regionais)
Permitam-me que regresse
à crise do PSOE que não esperava que se libertasse tão cedo, apesar de a ter
intuído e até antecipado.
Três dimensões de análise
suscitam para já atenção.
A primeira prende-se com
o significado da queda anunciada de Pedro Sánchez. Esta não pode ser desligada
da sua ascensão à liderança no partido. Há relatos entre os analistas espanhóis
mais conhecedores da realidade interna do PSOE que interpretam a ascensão de Sánchez
ao poder, embora tenaz e determinada e resultante de um longo trabalho com as
diferentes sensibilidades regionais do PSOE, como uma convergência
circunstancial de forças que se opunham ao seu adversário da altura, Eduardo
Madina. O que esses analistas procuram significar é que mais do que a consistência
de um passado, similar por exemplo à de Patxi Lópex, apoiante de Sánchez, o
jovem Pedro mostrou na altura apenas tenacidade e determinação na conquista das
diferentes sensibilidades do partido. A consolidação da sua ascensão estava fortemente
dependente dos espanhóis eleitores o considerarem uma alternativa efetiva ao PP
de Rajoy. Isso não aconteceu. A fragilidade teria de vir ao de cima. E veio,
apesar da ginástica de Sánchez que tanto conseguiu um texto de acordo com o
CIUDADANOS, um documento relevante que vale a pena ler sobretudo pela transversalidade
de posições a que aspirava, como nunca deixou de admitir a hipótese, inverosímil
aos olhos dos espanhóis e também aos meus, de um acordo PSOE-PODEMOS-CIUDADANOS.
Sánchez morreu na praia, apoiado apenas pelo respaldo dos militantes que
continuam a rejeitar ver um governo do PP emergir de novo, que continuam a
manifestar-se com veemência, mas que pesam cada vez menos na sensibilidade do
eleitorado.
A segunda dimensão de análise
diz respeito às relações que podem descortinar-se entre a crise do PSOE e a
emergência de forças inorgânicas e capitalizadoras não só do voto de protesto
mas também da crise geral de representatividade e de identificação das
principais forças políticas com os problemas e anseios da população comum. Esta
é talvez a dimensão de análise que vale a pena seguir com mais atenção e
regularidade. A questão não existe apenas em Espanha, ela tem relevância também
em Itália (Renzi versus Movimento 5 Estrelas) e em Portugal, através sobretudo
do relacionamento entre o PS e o Bloco de Esquerda, por exemplo. Não é por
acaso que a crise do PSOE é música celestial para os ouvidos dos principais líderes
do PODEMOS. Iglésias apressou-se a classificar o acontecimento como uma sequela
da crise de regime e, também não por acaso, militantes do PODEMOS e da
IZQUIERDA UNIDA estavam presentes nas imediações da Calle Ferraz em Madrid, ajudando
à festa das manifestações dos militantes de base do PSOE que continuam a
rejeitar veementemente a governação do PP.
A experiência do Bloco
de Esquerda em Portugal é a primeira entre estes casos a viabilizar uma solução
de governação à esquerda e vou dispensar-me de comparações em matéria de
fiabilidade política entre o Bloco e o inorgânico PODEMOS. Numa primeira análise,
o Bloco parece-me menos inorgânico do que o PODEMOS. Sánchez não terá avaliado
bem essa situação. Não cortou rente, de início, a possibilidade de acordo com o
PODEMOS. Foi sensível ao sorvedouro de votos que o PODEMOS tem imposto ao PSOE
e é discutível que essa transferência resista a uma mera aproximação dos
acelerados do PODEMOS a uma perspetiva de governação. Sánchez foi aqui apanhado
de calças na mão. Não está de facto consolidada entre os partidos socialistas
uma estratégia de resistência a essa fuga de eleitorado, até porque essa
resposta depende bastante das forças políticas ao centro e à direita com que se
pode governar. Compreendo perfeitamente que seja preciso um grande nariz para
conseguir governar com o PP ou mesmo com o PSD desmiolado de Passos Coelho. Dizia
alguém entre os testemunhos recolhidos pelo El País que o PSOE terá passado de
partido identificado com a Espanha da transição democrática para um partido
identificado com os problemas mais complexos em que a democracia espanhola está
mergulhada. Análise exemplar. E uma das razões para essa transformação está na
ainda registada incapacidade de resposta à ameaça de forças como o PODEMOS.
A terceira dimensão de
análise não a vi ainda discutida e por isso a trago para aqui. Na crise do
PSOE, que ontem gerou a demissão de Sánchez após a sua derrota no Comité
Federal, a natureza deste Comité merece atenção particular. Ele reflete a estrutura
das autonomias regionais e as sensibilidades políticas que se têm acantonado em
torno dessa organização. Aqui vale a pena sublinhar que há uma diferença substancial
entre estas sensibilidades regionais e as que, por exemplo, se acantonam nas
federações regionais do PS em Portugal. É que estamos a falar de personagens
políticos que têm experiência efetiva de poder regional e não estão apenas
acantonados em torno de interesses dirimidos com a estrutura partidária
central. Alguns dos “barões” regionais do PSOE estão amarrados a eleitorados
representados nas suas regiões e que os catapultaram para o poder. Veja-se por
exemplo o caso da raposa Susana Diáz que personifica o PSOE profundo da
Andaluzia, onde a resiliência evidenciada ao permanente avanço do PP está
baseada em profundas relações de subsidiação, de apoios e outras formas de
reprodução de confiança política. Outros personagens existem em regiões em que
o PSOE também tem governado, caso das Astúrias, da Estremadura, por exemplo.
Alguns destes barões
regionais opuseram-se a Sánchez com o argumento de que a abstenção
viabilizadora de um governo PP por parte do PSOE defenderia melhor o interesse
de Espanha do que a ida para umas duvidosas (do ponto de vista dos seus
resultados) terceiras eleições em dezembro. Dei comigo a pensar como é que
esses críticos de Sánchez terão interpretado o pretenso interesse de Espanha. Na
perspetiva de uma sensibilidade politicamente forjada em torno de uma autonomia?
Ou num cálculo provavelmente correto de defesa dos interesses regionais e do
seu eleitorado?
Uma estrutura política
federal, como aquela em que o PSOE está organizado, sob o pressuposto de que a saída
para Espanha está na ideia de Espanha das nações, coisa que a sanha centralizadora
do PP nunca conseguirá deglutir, não pode ignorar estas questões, que podem ser
consideradas custos da democracia federalizada. Esses custos tendem a sobrepor-se
aos benefícios identitários de uma Nação
das Nações quando as ideias para o todo são frágeis, inexistentes ou simplesmente
em busca de um novo equilíbrio. O que é precisamente o caso da situação atual
em Espanha. Nem o próprio PP consegue explicar realmente a folga macroeconómica
que lhe caiu dos céus. É por isso que nesse contexto que, em meu entender e, por
mais paradoxal que isso possa parecer para um defensor convicto da descentralização
e do modelo federal para Espanha como eu, Sánchez viu a sua queda favorecida e
até impulsionada pela amarração regional de algumas das suas principais
figuras. Aliás, com um cenário de governação do PP que pode prolongar-se por
toda uma legislatura, a defesa do bolo regional no orçamento global não deixará
de ser uma das preocupações cruciais destes personagens.
Por agora, resta apenas
a interrogação se haverá ou não terceiras eleições, Enquanto isso, o PSOE irá
permanecer fraturado e num limbo de indefinição estratégica. Caso não haja
novas eleições, não deixará de ser curioso observar como se comportariam os
deputados pelo PSOE, talvez eles fraturados pelos acontecimentos desta semana.
A instabilidade segue
dentro de momentos.
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