(Breve reflexão
sobre a morte de João Lobo Antunes, totalmente descomprometida e sem qualquer vivência com o desaparecido)
Há várias
maneiras de passar pela vida, das agruras do anonimato mais pleno até ao
protagonismo mais natural e espontâneo ao mais preparado e estruturado. Passagens
pela vida com luz brilhante, intensa, até à mais completa escuridão.
Como
observador exterior e sem qualquer vivência de contacto com o agora
desaparecido João Lobo Antunes, com a exceção dos relatos de António Lobo
Antunes nas suas crónicas cada vez mais intimistas, devo concluir que uma
passagem pela vida como a do Professor deve ser de retribuição absoluta, apesar
da doença fatal. Não é de facto vulgar assistir-se à comunhão de vários domínios,
da ciência, da medicina, da cultura e da política na homenagem a uma personalidade
que parte, mesmo tendo em conta a propensão algo mórbida para os consensos post mortem. Desta comunhão, de que
retiro voluntariamente a política, pois ser mandatário de Sampaio e depois de Cavaco
é coisa que tenho alguma dificuldade em entender, fascina-me sobretudo a tríade
ciência-medicina-cultura que João Lobo Antunes internalizava naturalmente e que
me leva a uma tradição de alguma medicina portuguesa, hoje provavelmente em desaparecimento
acelerado, oportunidade para uma evocação dos saudosos Corino de Andrade e Nuno
Grande, sobretudo ditado pelo contexto que caracteriza a formação em medicina.
Numa atividade
focada na saúde humana e na compreensão da vida, essa articulação entre a ciência,
a medicina e a cultura enriquecia a prática médica com um humanismo ímpar,
muito para lá dos prodígios da técnica, cirúrgica inclusive, da tecnologia de
suporte ao diagnóstico.
João Lobo Antunes
protagonizava essa ciência e medicina reflexivas e qualquer que fosse o seu caráter,
disso não posso falar por desconhecimento, deixa um legado inestimável na preservação
dessa tradição da velha medicina portuguesa, nele enriquecida com a valia da investigação.
Que a LUZ de
passagem pela vida que a sua prática representou possa contribuir para que na
medicina portuguesa não se perca essa inspiração.
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