(Dentro do que
era expectável, as eleições regionais nos Açores fornecem elementos adicionais
de reflexão, sobretudo do
ponto de vista dos desafios que se colocam à maioria absoluta do PS)
As características de
arquipélago e da socioeconomia que lhe andam associadas
sugerem que os ciclos da alternância democrática nos Açores podem ser
relativamente longos. Assim, as expectativas para as eleições regionais do
passado domingo eram de que, sem se ter observado qualquer cataclismo político
de relevo, o PS tenderia a conservar a sua maioria absoluta. Para além disso, Os
resultados de ontem confirmaram essas expectativas, mas isso não significa que
na manutenção dessa maioria absoluta não haja matéria relevante.
O primeiro elemento a
exigir reflexão atenta é a coexistência de uma abstenção tão elevada com a
perda de mandatos de PS e PSD, de que CDS e Bloco de Esquerda beneficiaram com
um deputado regional mais, respetivamente. Não é seguro, como o disse Mota
Amaral, que o reforço considerável da abstenção corresponda efetivamente a um
afastamento da participação em eleições. Mota Amaral refere a desatualização
dos cadernos eleitorais como uma causa possível do fenómeno. Valia a pena
investir na atualização dos cadernos para de uma vez por todas medir o pulso ao
real afastamento da política regional.
Para além do significado
da manutenção da maioria absoluta com perda de eleitores e de um mandato para o
PS, há algumas ocorrências que vale a pena enunciar:
·
Ressalvando o bom resultado do PSD no Faial,
onde foi a formação mais votada, destronando o PS, e a boa votação obtida no
Pico, em que ficou a 2 pontos percentuais do PS, o PSD confirma que está a
passar por uma longa travessia de ausência do poder; será um problema do PSD
açoriano, carenciado de alguém que projete mais esperança política, mas
igualmente o pagamento da fatura nacional, onde me parece que o PSD de Passos
Coelho não tem qualquer sensibilidade às autonomias regionais;
·
O CDS lá vai levando o cântaro à fonte, mas
tão lentamente que não dará para grandes efeitos de demonstração a nível
regional, capaz de galvanizar e redistribuir a influência da direita; de
qualquer modo, um deputado mais é uma pequena vitória de resistência;
·
A vitória da CDU nas Flores é compensação
reduzida para o facto de não ter eleito o seu deputado regional mais conhecido,
Aníbal Pires, em S. Miguel; o rejuvenescimento da penetração no eleitorado mais
jovem no continente não parece acontecer nos Açores, em que o discurso do Bloco
parece ter convencido mais o eleitorado que receia o prolongamento da situação
de maioria absoluta protagonizada pelo PS; o deputado adicional é claro que
terá sido conquistado ao PCP.
Viriato Soromenho
Marques salienta no DN que a conservação da maioria absoluta do PS (a perda de
eleitores e de um deputado não merecem do cronista qualquer reflexão) se deve
essencialmente ao estilo de governação da dupla Vasco Rodrigues – Sérgio Ávila,
uma espécie de tandem S. Miguel-Terceira em que a política açoriana é muito
fértil. Esta governação pauta-se por uma competente alocação de recursos com
redistribuição das infraestruturas para as matérias sociais e uma tentativa
ainda não totalmente consolidada de compensar as perdas eventuais de rendimento
agrícola, sobretudo leiteiro, pelo surto de valorização do turismo que a
chegada da Ryanair primeiro a S. Miguel e depois à Terceira veio proporcionar.
Dizia-se há uns anos, em jeito de chiste humorístico, que numa reunião
internacional Alberto João Jardim tentou convencer o seu então colega Mota
Amaral na Presidência da região autónoma dos Açores que o turismo era a via e
que estava pronto a colocar a experiência da Madeira ao serviço do colega de
partido. Mota Amaral terá torcido então o nariz e reafirmado que os Açores não
queriam explorar essa via.
Pelo conhecimento que
fui acumulando sobre os Açores em termos profissionais, onde a identificação da
administração regional com os assuntos europeus é apreciável, orçamento oblige, não é fácil antecipar qual vai
ser a transição do modelo de desenvolvimento açoriano, em que o rendimento do
leite (as vaquinhas são sagradas) continua a ser um fator relevantíssimo de
estabilização de rendimento. Em meu entender, o principal desafio que a
conservada maioria absoluta do PS enfrenta é o de despertar na sociedade
açoriana energias de iniciativa e empreendimento, impedindo que a estabilização
das condições de rendimento e sociais a partir das políticas públicas
comprometa a libertação dessas energias. Muitas vezes tendemos a alimentar
perspetivas infundamentadas sobre os Açores porque não ponderamos bem as
consequências de ser um arquipélago periférico e longínquo, onde a mobilidade
da população não pode ser equacionada como se de um território único se
tratasse. Mínimos de vivência em cada ilha são necessários e não há volta de
evitar que seja o orçamento público a assegurá-lo. Seria também interessante
que Portugal não se recordasse apenas do interesse estratégico dos Açores
quando a base das Lajes aparece nas cogitações da geoestratégia nacional.
Compreendo que os que
interpretam os Açores como uma espécie de reserva ambiental estejam à defesa
com o avanço do turismo que as low cost
irão permitir. Mas conviria perceber que as reservas ambientais e da
sustentabilidade que têm pessoas que aí vivem e trabalham precisam de ser pagas
em termos de usufruto das mesmas. Mas para mim, essa questão é mais fácil de
resolver, pois a Região tem conhecimento, investigação e sensibilidade que
bastem para encontrar a desejada solução de equilíbrio. Bem mais difícil é a
outra tarefa de despertar a energia e a iniciativa individuais, aí incluindo a
esfera empresarial.
Talvez pela perceção dos
desafios que aí se perfilam não tenha havido a tradicional festa de comemoração
do PS. Também nesse aspeto Vasco Cordeiro e Sérgio Ávila avaliaram bem a
situação.
Sem comentários:
Enviar um comentário